[Esse olhar infatigável]
[Anotações ao poema de no. "159" - Álvaro de Campos/Fernando Pessoa:
...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo,
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais]
*********************************
Hoje sim... talvez amanhã não!
Sou um relógio quebrado:
tenho o defeito de registrar,
doentiamente, instâncias
de um tempo que fugiu,
e foge sempre...
[Nenhuma novidade!]
Palavras partidas, ou apenas
erupções de um eu dividido,
ou o olhar vazio de um tolo
parado numa qualquer esquina,
cansado de tanto olhar o trem passar,
deixando a habitualidade da cidade...
Ah, esse infatigável olhar,
a perversidade dessa janela
insistente, aberta para dentro,
e portanto, responsável sim,
pela paisagem que mal revela!
E como Pessoa, eu olho, eu vejo,
e digo: "Confesso: é cansaço!..."
Não há mais sabor;
o bagaço da cana [da vida]
perdeu toda a doçura;
a saliva escorre insípida,
e seca-se na aridez do tempo!
[De resto, nenhuma novidade:
eu já antevira tudo isso,
lá nas tardes do [meu] Chalé Amarelo.]
___________________________
[Desterro, 01 de outubro de 2013]