A MÃE BORDA
para minha mãe, Eulália
Agrestes pareciam de fora
da janela
os seus cabelos níveos,
à luz mortiça da vela.
Não o eram. Agora,
penitencio-me. Eram plumas
brancas
os seus cabelos, leves,
voando
como sumaúmas.
Fundas pareciam por dentro
as suas cicatrizes,
rugas moldadas em urzes
que se abriam como ramos
no seu rosto. Concentro-
-me nisso. E vejo nelas
todas as raízes
de uma vida dura,
atribulada,
que os meus olhos dantes
não viam. Tinham matizes
da cor das lágrimas,
brilhantes
como diamantes.
Era a mãe, a doce mãe,
a mãe de todos, afinal,
debruçada sobre o pano cru
do bordado. Diziam-no
os seus olhos cansados,
no uso de uma agulha afiada,
protegendo um velho dedal
pequenino e dourado
os seus dedos magoados.
Era Setembro. Recordo.
Chovia torrencialmente
no chão
nu
do antigo quintal.
E era
ainda
madrugada.
JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES
(inédito.01.09.04)
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