FRAGMENTO DE DOMINGO
essa estranha necessidade
de escrever sobre os dias
isso não é arte
é necessidade
necessidade não é arte
é ardor que pode fazer sangue azedar
marimbondos procuram por água nas folhas
muitos, negros, tensos, fortes
sabe-se da dor da picada de um marimbondo
são muitos, podem acabar me picando
– matá-los?
não
isso seria por demais cruel
eles só querem água
marimbondos sentem muita sede
como vampiros e buracos negros
ela
ela com meu chinelo
faz lembrar uma personagem
de uma letra de rogério skylab
mas isso não é engraçado
e fui eu quem pediu o assassínio
o homem é senhor do domingo
só que domingo é coisa que azeda fácil
basta um gol contra
uma dor de barriga
um afogamento
uma frase mal dita
uma palavra
um maldito chinelo
[na TV, a cantora portuguesa
loura, gostosa
parecida com brigitte bardot
não usa chinelo
e tem poeira preta
na sola dos pés]
quando num domingo de sol,
jamais reflita sobre a paz do domingo
: a paz não se dá ao luxo
de reflexões.
(L.F., HUMBERTO ANTUNES, 15/09/2013)