Biografia torta

Disseram-lhe um dia, e a ilusão se fez, de que sua chegada era esperada.

Agora perscruta o entorno, e sendo fardo feito,

Vê-se qual disforme peso a entortar ombro alheio.

Disseram-lhe um dia que estava imune à pancadas.

Agora acorda de seus pesadelos diários e sente as dores das feridas

Que em seu corpo instalaram em nome de um prazer qualquer.

Disseram-lhe um dia que um deus o protegeria dos males.

Agora olha em torno e percebe o vazio insano e impuro de dogmas e fés

Enquanto seus óculos lhe mostram um céu cada vez mais longe.

Disseram-lhe um dia que seus dias seriam sempre radiantes.

Agora arrasta o peso de opções impostas

E sobre si flutuam nuvens que o impedem de enxergar o sol.

Disseram-lhe um dia que não se perderia em vãos caminhos.

Mas hoje ladra à solta, cão sem dono, por veredas escuras,

Sem rumo que conheça e sem destino para o qual aporte.

Disseram-lhe um dia que se lhe faria o amor.

Mas as paixões rasas e obsessões profundas em seu peito

Falaram da superficialidade do desumano travestido em ser.

Disseram-lhe um dia que teria uma história para viver.

Agora acorda em cotidianos trancos e vê os dias que se repetem

Com a mesma novidade que sente quem olha um céu sem nuvens.

Disseram-lhe também que ao seu final o aguardava um paraíso.

Agora frente ao incerto, ao improvável e ao indizível

Aguarda impassível que se fechem as últimas portas e dê adeus.