Auto falante

Hoje sou um auto falante.

Excreto por minha boca

o que meu peito reclama,

Embolo em minha língua

o que meu estômago faz trama,

Despejo em saliva e silvos

os venenos de minh’alma.

Hoje sou um auto falante.

Versejo pragas e desejos

em coices que oro e clamo,

Misturo dores e anseios

em verbos a quem difamo,

Rosno cães entre meus dentes

enquanto a noite se acalma.

Hoje sou um auto falante.

Repito em insanidades próprias

falas alheias e da história,

Divago vivendo a vida

com pés e mente de escória,

Assopro meus desvarios

Sem esperar luto ou palma.

Hoje sou um auto falante.

Sigo página riscada

sem margem ou pauta que valha,

Sou frase frívola, inútil,

com sentido que a mim falha,

Oração oca e vazia

sem que cause eco ou trauma.