Antologia Poética Pessoal
 
Seleção de E M.C. (amorinn)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As palavras contidas nesses poemas muitas vezes mudaram o meu jeito de ver o mundo, as pessoas, o amor... A vida.
 
Espero que façam a você o mesmo bem que fizeram a mim.
 
Um abraço enorme e tudo de muito bom!
 
E.
 

 
 
 
 

 
Mario Quintana
 
O poeta das simplicidades complexas
 
 
 
 
 
 
 
 
Os poemas
 
 
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Poeminha do Contra
 
 
 
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho...
Eles, passarão.
Eu, passarinho!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esperança
 
 
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
 
 

 
 
 
 
 
 
 

 
Manuel Bandeira
 
A beleza amarga, o romantismo cético
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Madrigal Melancólico
 
O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
 
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
 
O que eu adoro em ti,
Não é a inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e dos coisas.
 
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.
 
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida,
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.
 
 
 
Vou-me Embora pra Pasárgada
 
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
 
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
 
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
 
 
 
 
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
 
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
 
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
 
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
 
 

 
 
 
Belo Belo II
 
Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.
 
 
 
 
 
 

 
Cecília Meireles
Delicadeza e consciência são pétalas de uma mesma flor
 
 
 
Motivo
 
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
 
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
 
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
 
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
 
 
 
Viagem
 
Fez tanto luar que eu pensei em teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.
 
Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
e modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
e estudo apenas o ar e as águas.
 
Coitado de quem pôs sua esperança
nas praias fora do mundo...
- Os ares fogem, viram-se as águas,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam.
 

 
 
 
Ou isto ou aquilo
 
 
Ou se tem chuva ou não se tem  sol,
ou se tem sol ou não se tem chuva!
 
Ou se  calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
 
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
 
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
 
Ou guardo dinheiro e não compro doce,
ou compro doce e não guardo dinheiro.
 
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
 
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
 
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
 
 
Diálogo
 
 
Minhas palavras são a metade de um diálogo
obscuro continuando através de séculos impossíveis.
 
Agora compreendo o sentido e a ressonância
que também trazes de tão longe em tua voz.
 
Nossas perguntas e resposta se reconhecem
como os olhos dentro dos espelhos.
 
Olhos que choraram. Conversamos dos dois extremos da noite,
como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...
 
E um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o teu.
Mas um mar sem viagens.
 
 
 
 
 
 
 
 

Carlos Drummond de Andrade
 
O tradutor das partes incompreensíveis da vida
 
 
 
 
Carta
 
Há muito tempo, sim, não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelhecí: olha em relevo
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que a sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
 
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.
 
É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.