DESABAFO: Clarice e eu numa tarde de domingo

Terça feira de muito frio na região do Pantanal. Final de semana prolongado em Campo Grande, aniversário da cidade ontem, segunda feira, 114 anos. Apesar de ter nascido neste lugar abençoado, mudei-me para cá há exatos 14 anos. Não foi apenas mudança de local. Ao longo desses 14 anos, foi transformação de vida, de pensamentos, de valores intrínsecos essenciais à vida.

'...como se a mente se abrisse, feito um machado partindo a madeira'. `

Domingo último, acompanhada de uma xícara de um perfumado chá que trouxe da Argentina, sossego correndo pela casa, junto com a fumaça suave que corria da xícara...

É preciso transformação para haver paz de espirito. Viver uma vida infeliz, medíocre e dolorida por acreditar que o melhor caminho é o que agrada à todos ao seu redor, é ser boazinha e aguentar calada por anos à fio maus tratos psicológicos e físicos, desrespeito e deboche por suas convicções, gritos que aderem na alma feito cola, e coisas que, de tão tenebrosas, é melhor que fiquem só na memória, bem trancafiadas.

E assim seguia a 'vida' (não, definitivamente, aquilo não era uma vida): "Engula os maus tratos, minta para você e para os outros que está tudo bem"...até adoecer gravemente. Medicamentos, terapia e oração...tudo junto, e eis que veio a coragem e MUDAR.

Escolhi viver uma vida plena, sem ter que fazer de conta que está tudo bem só para não contrariar ao mundo ao redor. Paz de espirito NÃO TEM PREÇO, não tem para vender em lugar algum!

Mais uma xicara de chá...e o texto maravilhoso de Clarice, onde me lembro que 'só sabe quem já viveu'. :)

"Cada pedaço de mim sabe o inferno que é ser sol em noites de chuva,

ser cor nos cinzas dos edifícios, ser luz na escuridão das manhãs.

Cada todo de ti sabe a delícia que é ser flor nas asas do vento,

ser cristal nos olhos das fadas, ser azul no fundo do mar.

Cada suspiro de nós sabe a angústia que é ser só um na multidão dos dias, ser muito na pobreza da esquina, ser ninguém na roda da vida.

Enquanto isso os relógios se vão, e vêem aqueles que sabem o que é apenas SER na ausência do nada". *"Cada pedaço de mim" por Clarice Lispector.