[Manifesto Épico das Profundezas do Barro]

Por um mau vezo de colocar palavras

sobre coisas descompreendidas, dizem-me

— “especial”, “observador”, “inteligente”;

mas, “flatterings” assim não me comovem:

eu não tenho qualidades — não sou nada disso —

eu sou apenas e tão somente

este barro vulgar, esta argila peregrinante,

Ser passível do sopro de algum Deus morto...

Além de mistérios — sou feito de quê?

Oh meu cérebro, motivo da discórdia,

por que não aprendeste a ser fútil?!

Eu já desisti — não mais desejo saber

por que o meu cérebro infatigável

pensa tudo aquilo que pensa!

Continuarei a repelir definições do mundo,

pois não vou me embriagar de mim —

e se for preciso, buscarei a [minha] verdade

nos mistérios contidos em mil garrafas vagantes —

a quem me define, vou mostrar que sou sublime,

que excedo especificações banais!

E com o próprio decurso do meu tempo,

eu provarei, enfim, que nada vale nada —

tudo que fiz até hoje nesta minha vida

não vale o xixi amarelento que o cachorro

magro e feio fez escorrer sobre a cova

do marido daquela pobre mulher chorosa;

não vale o esterco em que os besouros

se refestelam, em escatológica festa,

o gran finale da longa caminhada —

Nada! Nada! Nada, de nada!

Eu penso, logo sou, propriamente, nada!

Virou o século, entramos no XXI,

e nós que nos julgávamos belos,

preparamos o champanhe para a festa,

mas não demos pela tão esperada virada:

a grande noite sonhada desde a infância

foi o que era para ser: escura e vasta

como é apenas uma qualquer... noite!

Fala mais alto o aço sobre nossas cabeças,

pois, antes de nascer, morremos todos,

ou estávamos já mortos em 1900!

Ah... então, não éramos?! E que diferença faz?!

E que coisa pode ser mais sublime

que morrer, simplesmente morrer,

cessar de empestear a Terra com a nossa arrogância,

com a nossa absurda esperança de transcendência?

Ah, jazer, enfim, na escuridão da profundeza marinha,

e como fatal selo do sepulcro, o sol a brilhar, indiferente,

sobre a extensão tranquila da superfície líquida,

eternamente a encantar os olhos dos poetas...

_____________________________

[Penas do Desterro, 09 de junho 2000]

[Texto recuperado do meu Caderninho #3,

ligeira variante deste 17 de agosto de 2013,

pois a minha mudança é permanência em mim]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 18/08/2013
Código do texto: T4439441
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.