O CANTO
Não cantarei amor,
ele não existe mais.
A honra, o imperador
assassinou no império.
Não cantarei virtude,
justiça ou heroísmo.
Não cantarei lealdade
nem compaixão.
Não cantarei inocência.
Estamos velhos,
foi embora a infância,
não cantarei.
São palavras obsoletas
gravadas no tempo
em livro incunábulo.
Eu cantarei o que resta:
Cantarei a noite
que veio vindo veio vindo e
estacionou. A noite
e tudo o que ela implica.
Cantarei a liberdade.
A liberdade que de tão
e demasiadamente liberta
tem construído prisão.
Cantarei a esperança
(esta, ainda que não reste)
A esperança que cansa
e que nada alcança.
Cantarei o agora
o agora hoje
e o agora com o amanhã
piscando o olho ao longe.
O amanhã que se desenha
num céu cada vez mais exposto.
E se meu cantar sugeri o futuro
sugeri o definitivo,
previsão não é.
É apenas o presente presente
vidro transparente e evidente,
que apresenta tudo
no espaço e na rua.