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A criança sentada sob amendoeiras
Banhando-se em chuva de folhas secas
desmaiando aos seus pés
Enquanto observava heróis que erigiam
Mais um troféu de granito e vidro
Entre suor, arquejo, ruído e gritos.
Os últimos dias de verão
Passeando na terra
Levando e trazendo imagens
Que nunca mais seriam vistas
As folhas. Os homens,
O totem inacabado. O totem:
Premio para os inventores
Da interminável guerra
Minhalma sã e benevolente
Disposta a crer nas coisas
Mais surpreendentes
Descansava recostada
Na amendoeira gigante
Inebriada com visões estonteantes
Meu espírito, que mais tarde seria mordaz
Deliciado com toda aquela paz;
Eu aprendendo a ver a viver a terra
Ouvindo com a planta dos pés
Os segredos que nela se encerram
Nesse tempo meu Deus era sujeito gentil
Que volta e meia bebia em um barril
Depois, amarrou a cara
Não mais comia em minha mesa
não acreditava na terra
não sentia sede nem nada
perdendo, diga-se assim,
toda a sua delicadeza
de figura boa, bela
compreensível e estimada
As folhas acabaram de cair
todas elas
O verão partiu para longe da terra
Eu, quem pensava nunca mudar,
vi-me enfrentando noites no mar.
A beleza de Deus se perdeu nas ondas
Aprendeu a falar besteira
Beber a noite inteira
A viver na zona
Como se não houvesse mais nenhum lugar
Onde houvesse amendoeiras
Além de mordaz, espírito sarcástico
O sol de verão, quente, fez-se cáustico
As pessoas não mais marcavam presença
Apenas iam e vinham, em indecências
Que ao meu Deus encantavam.
Das pessoas, fui aprendendo a ver-lhes
O outro lado que teimavam em trazer
Guardado, escondido e chaveado
A sete chaves, mil mentiras, bem trancado
Minha alma já era bem sagaz
Inventando guerra onde queria paz
Não mais descanso de tarde dezembrina
Às vezes, saudosa, deitava-se no bico da proa
Eu a via lá, à toa, imaginando sol quente
Na noite solitária do mar
Recordando dias já idos
Quando podia descansar
Ver, sentir e amar vapores exalados
Dás arvores, da terra na chuva.
Agora: maresia, álcool, cio
Planos-enganos, suor de soldado
Preocupado em trazer limpo o fuzil
O barco, sulcos profundos, à vante
Deixando para trás, cada vez mais
Um verão, amendoeiras, cigarras
Menino enfeitiçado
Que naquele tempo desconhecia
A eterna saga dos homens marcados
Ignorando que a nau não abandona
Nunca a raça de desarvorados
Na proa, o Deus surpreendido
Ensinava-me pecados.