[A Rua de Cima e a Rua de Baixo]
A minha rua era aquela Rua de Baixo,
e era assim, anódina, triste até...
mas então, eu sonhava em voar dali...
Mas por sorte, havia uma certa Rua de Cima,
e era tão grande, mas tão grande o mistério
de aquela rua existir acima da minha rua,
e de ela estar sempre, sempre além de mim,
que até hoje eu não deslindei!
Tudo, ou quase tudo,
ficava ou acontecia na Rua de Cima:
o Correio passava antes lá;
a buzina do leiteiro era ouvida antes lá;
para ver o desfile do circo recém chegado na cidade,
eu tinha correr para a Rua de Cima...
... E isto sem falar naquela suave menina
que morava na Rua de Cima,
e que me tirava o fôlego
com os seus olhares oblíquos
[só para mim, só para mim, eu pensava...]!
E para marcar de vez o desfavor das diferenças,
as enxurradas onde eu soltava os meus barquinhos,
a correnteza, de cuja fúria, numa certa tarde,
eu, a custo, salvei o meu gato Fio Campeão,
vinham — força de Lei da Natureza! — da Rua de Cima!
Dou um salto no Tempo, caio no Nada:
E se hoje os meus sonhos não têm asas
e nem viajam em barquinhos de papel,
é por que todas as minhas ruas são e estão
na monotonia de um limbo plano...
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[Desterro, 04 de agosto de 2013]