CRETA

CRETA

Não sou digno de que entreis

em minha morada

Sequer dizei palavra

Não há tempo para salvação.

Não amo nada

Nem tenho fagulhas no coração

O mundo foi maior que a vida

Como todas as coisas são

Tive vida pequena

Caibo apenas dentro de mim

Apertando-me aqui e ali

Para acomodar tanto sentir

Não dizei palavra

Surdo mudo cego

De que adiantaria?

A quem salvaria?

Fui mais carne

Mais dentes

Nada amei

Nada como dantes

Um dia fui um

Depois me parti

Esquartejei-me, enfim

Sem sentir

Com as partes mal divididas

Encaixadas nas medidas da vida

Deparei-me com quem nunca vi

Quando dei por conta de mim

Não sou digno da tua presença

Em minha morada

Não escutarei tua única palavra

Que não me salva de nada

Meu coração é de Creta

Meus ouvidos, silencio

Minha boca, estéril

Meus olhos, segredo

Não amo nada, repito

Portanto, nada de palavras

Permita-me o silencio

Que fere como clava.