Confiteor

Euna Britto de Oliveira

Que descaracterização é essa, eu não sei.

Vejo desvio de função

Azinhavre e encardimento

No que foi um almofariz dourado,

Onde se trituravam grãos de pimenta do reino

E se amassavam alho e sal.

Aquele batimento bom,

Que parecia uma música cheirosa,

Surge de repente na memória do ouvido,

Na memória do estômago – É quase hora do almoço.

Onde está o frango ao molho pardo?

O feijão tropeiro, o arroz soltinho,

A couve em fitas estreitíssimas,

O picado de mandioca, onde estão?...

Vou almoçar o que tiver.

Estou no mesmo lugar,

Mas em outro tempo.

Vivem-se muitas vidas numa só existência.

Se facilitar, ponho sal fino na limonada e

Açúcar no churrasco;

Cominho no arroz-doce

E canela na carne – São tão parecidos!...

Não é minha culpa, mas não gosto de cozinhar.

Prefiro escrever um poema

A ter de fazer um almoço...

Entretanto, se precisar fazer, eu faço!

Crio o dom da culinária num passe de mágica!

Não fora assim, a vida seria trágica!...

Quando foi pra me casar,

Escondi isto do rapaz.

Logo para ele,

Que não gostava de poesia

E adorava um churrasco!...

Realmente,

Nada fica por muito tempo escondido

Debaixo do sol...

De uma vez por todas,

Mostro-me!

Euna Britto de Oliveira
Enviado por Euna Britto de Oliveira em 06/04/2007
Código do texto: T439957