Confiteor
Euna Britto de Oliveira
Que descaracterização é essa, eu não sei.
Vejo desvio de função
Azinhavre e encardimento
No que foi um almofariz dourado,
Onde se trituravam grãos de pimenta do reino
E se amassavam alho e sal.
Aquele batimento bom,
Que parecia uma música cheirosa,
Surge de repente na memória do ouvido,
Na memória do estômago – É quase hora do almoço.
Onde está o frango ao molho pardo?
O feijão tropeiro, o arroz soltinho,
A couve em fitas estreitíssimas,
O picado de mandioca, onde estão?...
Vou almoçar o que tiver.
Estou no mesmo lugar,
Mas em outro tempo.
Vivem-se muitas vidas numa só existência.
Se facilitar, ponho sal fino na limonada e
Açúcar no churrasco;
Cominho no arroz-doce
E canela na carne – São tão parecidos!...
Não é minha culpa, mas não gosto de cozinhar.
Prefiro escrever um poema
A ter de fazer um almoço...
Entretanto, se precisar fazer, eu faço!
Crio o dom da culinária num passe de mágica!
Não fora assim, a vida seria trágica!...
Quando foi pra me casar,
Escondi isto do rapaz.
Logo para ele,
Que não gostava de poesia
E adorava um churrasco!...
Realmente,
Nada fica por muito tempo escondido
Debaixo do sol...
De uma vez por todas,
Mostro-me!