AOS DE SUPERFÍCIE

estou de olhos acesos e vejo tudo:

vísceras afogadas em coca-cola e mandíbulas afiadas para o pronto descarne.

sinto a mão sem dor a me queimar a mão. ouço a voz que vem da superfície das almas.

percebo os cães catando tigres nos pêlos, lambendo meu joelho com suas línguas viscosas.

alguns me oferecem chimarrão com cicuta. outros, sequer percebem que entrei na sala e permanecem sentados sobre almofadas e testículos, enquanto o cafezinho fumega na escrivaninha.

anjos que tenho sábado e domingo de todos os dias, que comigo se reúnem e debatem a notícia planetária, o sistema sádico e sísmico, a canção que não existe.

arcanjos que me pedem favores e xícaras de chá, que marcam comigo projetos irrealizáveis, que se tornam distâncias impossíveis de percorrer.

fantasmas que combinam comigo o xadrez das horas, transparentes animais de cigarro e cachecol. vorazes coelhos assustados defecando poesia insalubre.

sutis morcegos de jeans bebericando querosene azul. ratos fosforescentes a roerem batatas de pedra. minhocas luzidias a rastejarem no barro da amizade.

mortos delicados molhando na chuva os ossos e casemira. pardais obtusos carregando carniça para filhotes vesgos e estuprados.

esses são os símios que me rodeiam com suas lâminas e escrotos maiores que eles próprios. alegres tristes viajantes de tempos abortados.

olheiros de janelas fechadas. que Deus não tenha compaixão de suas vias crucis, de seus corpos de diamantes, e o Diabo os perdoe, porque esses sabem o que fazem!

Don Aragone
Enviado por Don Aragone em 09/07/2013
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