AJUDA-ME A GUARDAR AS HERAS
José António Gonçalves
cuida-me das heras enquanto batem
as badaladas das igrejas chamando os fiéis
às prestações das suas contas
com Deus e a consciência
não adormeças contemplando a parede
nem permitas o salto aos gatos ignorantes
nem a visita destruidora dos pássaros sábios
nem a passagem das lagartas
disfarçadas de pavões
estarei longe viajando pela mente em cósmica
aventura debruçado sobre as páginas dos poetas
malditos carentes de amor e de sol fechados
nas arcas poeirentas do tempo e do medo
aconchega-te a mim e vigia as heras
porque estou em longínquas paragens
nadando nas profundezas dos versos antigos
nos limbos dos versos novos
enfrentando as feras os povos os amigos
todos os que me acompanham nas viagens
em mil caracteres de codificado segredo
não te canses peço-te
de me guardar as heras
eu pago-te com a memória da poesia
ainda por escrever
nos índices de Poe do Herberto ou Verlaine
de Rimbaud e Pessoa e talvez Whitman
se acaso a souberes ler nos dedos do vento
aí por qualquer dia.
José António Gonçalves
(2.6.04)