O POMBO NO FIO
O pombo saltou do fio
E posou bem no meio da praça
Alheio à data, à hora, à era.
Mas quase riu-se consigo quando uma gorda passou
Com aquelas nádegas enormes
– eram como duas luas invertidas
Quando uma minguava
A outra crescia
E sobe e desce
E sobe e desce
E vice-versa
E foi-se a gorda. Sumiu no meio dos outros...
E o pombo voltou a si.
E, como quem abre uma maleta de obviedades subjetivas,
Ele sacudiu as asas, inflou um pouco o papo,
Soltou uns três ou quatro arrulhos pra ninguém,
Beliscou, ligeiro, umas sementes vermelhas
E foi de novo pro fio.
Estancou-se ali, ave-pura; um quase-bicho-invisível
Que finge não perceber
Que a vida cá no chão vai morrendo
Morosa e dolorosamente
A sua pressa mais desnorteada.