Assombração

No imaginário popular temia-se algo que se desconhecia, fruto da ignorância e do medo humano. Algo que nossos pais inventavam para nos afastar do mal. Porém, nos dias atuais, nas capitais e no interior, vê- se um medo crescente, a violência humana irrefreável. Não há uma politica de combate que faça frete ao que os leigos alertam, os estudiosos pontuam e ao que o poder público, pela corrupção fomenta.

Num domingo qualquer sr. Paulo em sua corrida matinal seguia pela avenida central junto com a sua esposa dona Mira, quando sem ter nem pra que viram um enxame de meninos de rua num canto. Mais adiante há dois quarteirões, mais outros, que os hostilizaram.

Com medo dona Mira falou para Paulo parem e voltar, mas quando se deram conta atrás dos dois havia centenas. O jeito foi correr mais e mais.

Ao chegarem na avenida principal se deram conta que todos os prédios estavam fechados e as igrejas também e a menos de dois quarteirões vinham centenas de meninos numa agressividade, ou seja, com pau nas mãos vinham quebrando casas, invadindo, parando carros, atacando quem quer que estivesse na rota de colisão.

Não havia nenhum movimento, tudo de repente ficou completo deserto. Os gritos daquela tribo, maltrapilha, suja e ensanguentada... A ralé da sociedade. Parecia a revolução dos ignorados, matando, batendo ferindo sem dó qualquer transeunte, ou se não, qualquer um dos seus iguais, que era desigual de alguma forma. O medo por hora vigente era a palavra mais forte.

Dona Mira se agarrou ao seu marido e ele sem pensar duas vezes, percebendo toda aquela situação, mais do que depressa correu com ela para uma Instituição em que um vigilante acabara de fechar os portões e pela janela ainda aberta se jogaram sem pedir qualquer permissão.

Assustado o rapaz tentou interceptar, mas o que fazer entre a proibição das regras e a lei da sobrevivência?...

Houve a priori uma discussão motivada pelo medo de quebrar as regras, de perda de emprego, mas ao final o senhor Paulo mostrou argumento alheado aos acontecimentos convincentes da realidade ali vivida por eles.

De coadjuvantes a expectadores daquela revolução tribal, os meninos por organização ou loucura quebravam, gritavam, roubavam e se espancavam. Com animais ferozes, mais de meia hora aterrorizavam todas as casas, os prédios e as Instituições.

Em suas casas pessoas ficavam apavoradas e a polícia não chegava.

A avenida central estava amordaçada, não havia sequer uma alma a não ser aqueles meninos e meninas de rua fumando, cheirando, se espancando, se mutilando, se violentando e se estuprando.

Do lado de dentro das casas, das igrejas e das Instituições pelos vidros protegidos por grades, os olhos assustados dos senhores, dos soberbos, dos corruptos, dos abastados se escondiam na covardia e hipocrisia social.

Quando a policia chegou os agressores travaram combate... Bateram, atiraram, foram mortos, presos e ensanguentados. E aquela “Independência ou morte” ficou marcada em frente ao palácio do setentrião. Virou noticia nacional, mas ninguém sabia dizer o motivo do enfurecimento das gangues.

Mas o pico principal fora atingir aos burgueses, foi atingir a qualquer um, eles mesmos. Foi um dia único para não se esquecer, que por mais que tudo pareça estar camuflado, parece estar controlado há sempre um dia de fúria.

Dona Mira e seu Paulo agradeceram ao rapaz que entendeu que as vezes, as regras tem as suas exceções.

Tudo aos poucos foi voltando ao normal. Os ambulantes com as suas quitandas na rua, os burgueses com os seus carros na avenida e os meninos e meninas encarcerados e escondidos da vida social.