Voos

Já não me basta o voo sonhado. É preciso que eu encontre asas

e fuja desse labirinto, onde as almas penadas de mulheres violadas

fizeram suas moradas.

São Paulo é muito grande, mas disse o Poeta, que maior é o Mundo.

Na outra esquina vejo a porta de saída, porém, hesito em cruzar a avenida. Paralisa-me o medo dos covardes

que trocam a liberdade pela insossa vagina de toda tarde.

E seria tão fácil... tão bom despir-me da utopia.

Maldigo Schopenhauer e esse "tanto querer".

Maldigo esse "querer viver". Essa insistência em ser.

E o religioso que ostenta o Novo Testamento

e vocifera a obrigação de crer.

De repente as águas do Aqueronte me atemorizam

e temo que o esquecimento do Letes nunca chegue.

Que a Musa partida nunca se vá pela senda escondida.

Um "gambé" espanca um mascarado

e dança o ritual de seu sonho de Coronel Pimenta,

o "Grande Demônio da Tormenta".

O severo "Zeus", dono do Raio e do gás lacrimogêneo,

em defesa da antiga Moral e Bons Costumes,

atributo e desculpa de obesas burguesas

entulhadas de miçangas chinesas, enquanto os gordos burgueses

desfilam impotências e clamam por clemência.

Os sonhos envelheceram e os discursos são vazios.

Inúteis como o ouro guardado nos cofres da fome.

Mais uns poucos quarteirões e estarei no centro.

No centro do Rio. No centro do Mundo de Pai Ogum

e do mistério comum.Resta caminhar,

o caminho nenhum.

Para Bete. Com saudade.