Tinha um jacaré na praça.
XI
DO CAFÉ COM BOLACHA
Já comprei cento de lenha
E carreguei cada acha
Furou a bola nas Cafifas
Só com vaquinha se pacha
Café do bom no Itaqui
Só pode ser com bolacha.
XII
EVOCANDO O KICHUTE
Velho pisante povoeiro
Memória que repercute
No Itaqui, ao te calçar
Tinha a força de um mamute
Não teve asas na infância
Quem nunca usou um Kichute.
XIII
PIÁ INCOMODATIVO
Quando guri era arteiro
Atrapalhava até missa
Não adiantava cancheada
Tinha a cara de caliça
E o meu avô tinha ganas
De me dar uma paliça.
XIV
DAS ARTIMANHAS DE POBRE
Fui tratorista pra fora
Comendo pão quebra-dente
Entre Itaqui e Alvear
Fiz chibo em noite inclemente
E morei numa bolante
Nos tempos tristes de enchente.
XV
DAS CHANGAS
Fiz changa no "matadero"
No rancho, a boia era rasa
No Itaqui, reparti leite
Pros galos dei "oh de casa"
Um dia peguei o fiambre
Pra viagem que me deu asas.
XVI
DAS ÁGUAS DO ITAQUI
As águas do Itaqui
Da memória fazem parte
Sesteou no Cambaí
Um tal Pedro Malasarte
Que se banhou no Uruguai
E pescou pacu no Quarte.
XVII
MESTRE PITOCO
Personagens no Itaqui
Vi no atacado e no troco
Falando chiado e com gírias
Esse era bom de coco
No jeitinho brasileiro
Ninguém batia o Pitoco.
XVIII
NO TEMPO DA DISCOTECA
Pra dançar no Itaqui
Se improvisava bastante
Bastava um anfitrião
E um três em um vibrante
No tempo da discoteca
Fui muito a reunião-dançante.
XIX
DO FUTEBOL NO ITAQUI
Do futebol no Itaqui
Eu me lembro muito afoito
Na várzea e no amador
O negócio era fuscoito
Fedia à tripa de ganso
No clássico 38.
XX
SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO
Do Itaqui, eu me alembro
E me quedo absorto
Dos peregrinos de outrora
No tempo do "Cristo morto"
Iam além da cidade
Colher marcela no Horto.
XXI
O HINO DE ITAQUI
"Filhos dos Sul e dos ventos"
E de um "pago sem jaça"
Adines, Cyro Gavião
Por vós minha vista se embaça
Nosso hino de Itaqui
É a metáfora da raça.
XXII
PEDRA GRANDE NO ITAQUI
Tinha uma pedra gigante
Na antiga rua Alegrete
Algum canhão do espaço
Expeliu tal tamborete
Só passavam duas rodas
Pedestres e algum ginete.
XXIII
TOUREANDO O MINHOCÃO
Eis-me aqui no Itaqui
É bom pisar neste chão
E à noite tem pescaria
No Uruguai, de lampião
É hoje que dou um pealo
Nesse tal de Minhocão.
XXIV
DO PICOLÉ DO ADÃO SILVEIRA
É sesteada no Itaqui
Na modorra da soalheira
Um piá fica atento
Aos sons da tarde fagueira
Outro guri há de trazer
O picolé do Adão Silveira.
XXV
CHANGA NO SEU POLÍBIO
No Itaqui das vacas magras
Se afogava até anfíbio
Atrás de uns pilas pra boia
Nenhum changueiro era tíbio
Na Chacra fui bolicheiro
Na venda do Seu Políbio.
XXVI
DOMINGUEIRA NO CASSINO
“Mui” na chia com os pilas
E um porteiro pente-fino
Ia com a banda do Juca
Já de tarde, clandestino
Chuleando o baile da noite
Lá no clube do Cassino.
XXVII
DE "O MUNICÍPIO DE ITAQUI"
N'"O Município de Itaqui"
Toda a crônica local
Composto letra por letra
Num trabalho artesanal
João Rossy Nery era o esteio
Desse pioneiro jornal.
XXVIII
CHAMAMÉ COM DOM ISACO
Noite plecara em Alvear
Com vaga-lumes de sol
Na “hermanita” de Itaqui
“La calandria” em arrebol
Sorvi acordes costeiros
De Dom Isaco Abitbol.
XXIX
FANDANGO NO ITAQUI
Um fandango no Itaqui
Coisa mais linda não hay
A indiada e as percantas
Coleando num vem e vai
Co'a noite toureando o dia
Num fole do Virocai
MAÇAMBARÁ E ITAQUI
Antônio Gutierrez, pintor
Dos maiores que já vi
Me disse um dia as palavras
Que ora endosso por aqui:
“Não quero Maçambará
Separado de Itaqui”.
XXXI
PREFEITURA, POEIRA E QUARTEL
No tempo da ditadura
O Quartel vinha em primeiro
A patrola da intendência
Maltratando os chacreiros
Revolvia o pó que os autos
Lançavam aos ranchos lindeiros.
XXXII
À TARDINHA, NA CHACRA
A Chacra faz corredor
Entre cidade e campanha
No rancho, a prenda mateia
O peão degusta uma canha
E o guri abre o apetite
Falquejando um pão com banha.
XXXIII
DAS NÚPCIAS
No Itaqui, o pobrerio
Tinha apetite simplório
Com a cara preparada
De quem nem foi ao cartório
Eu me alembro, fui carancho
Nas festanças dos casórios.
XXXIV
DO JOGO DE TRUCO NO ITAQUI
Eta jogo de malícia
De tauras no vucovuco
Falta envido, vale quatro
Com flor sou nobre e não tuco
E foi na família Oviedo
Que aprendi a ensinar truco.
XXXV
DA "TILOGRAFIA" NO CÍRCULO OPERÁRIO
Hoje teclo sem assombros
Porque aprendi os segredos
No Itaqui, com uma Olivetti
Datilografei sem medo
O mestre, nas duas mãos,
Ensinava a quatro dedos.
XXXVI
DOS APELIDOS
Apelidos no Itaqui
Dominavam a paisagem
Xixo do Manja, o Sessenta
Benga, Querido e o Bobagem
Pinana, Coelho, Marija
O Butifarra e o Friagem.
XXXVII
DO RANCHO DE CHÃO BATIDO
Meu rancho de chão batido
Na Chacra, lá no Itaqui
Ânsias e sonhos infantes
Pulsavam dentro de ti
Eu te arranchei na minha alma
E nunca mais te perdi.
XXXVIII
DA CASILHA DO PORTO
Minha casilha do porto
Vitimada em Itaqui
Desmanchar pra fazer outra
É coisa que eu nunca vi
Tijolos em vez das pedras
O que fizeram de ti?
XXXIX
BOQUIRROTO DO ITAQUI
De Itaqui, um boquirroto
Cantor menor e venal
Desses que pegam carona
Em movimento social
Deu pra vir encher meu saco
Nas plagas da Capital
XL
O APITO DO TREM
Já na barriga da mãe
Eu assistia ao vaivém
Nos trilhos o estrupício
Que ao piá torna refém
O tempo levou pra longe
O meu apito do trem
XLI
MOMENTOS DA INFÂNCIA
Traz a invocação da infância
Maresias à visão
O futebol, o açude
A pandorga e o pião
Vi saltos de paraquedas
Nos campos da aviação
XLII
FESTA QUE PROMETE
Se há baile há preparo
Porque pobre se realça
Cabelito na Dileta
Perfume chibo da balsa
E a arte da Dona Dalva
Pra botar nesga na calça
XLIII
SAUDAÇÃO REMOTA
Eu me lembro no Itaqui
De um cumprimento só
Passando pelas pessoas
Se afinava o gogó
Não tinha isso de “oi”
A gente lascava um “ó”
XLIV
DO FUTEBOL NA CHACRA
Nossa equipe de amarelo
Gostava do bom combate
Contra o time dos Motas
Do Chico e do Tomate
Se jogava por dinheiro
Pra evitar que desse empate
XLV
GUERRA NOTURNA
Nas quentes noites de estio
Esse inimigo maldito
Zumbindo e picando o povo
Que se armando pro conflito
Queimava esterco de vaca
Pra espantar os mosquitos
XLVI
INFÂNCIA DE OUTRORA
Não era só futebol
Num tempo que ainda me habita
Tinha boco e carteado
Tava, bilboquê, bolita
Bafo, rolete, revistas
E uma "tropa" mui bonita
XLVII
ARTES DE GURI
Artes de guri se vão
Num tempo que nem dá troco
Desde a tava ao bodoque
Tinha até briga de soco
E melancia furtiva
Lá na Coxilha dos "Locos"
XLVIII
O NEGRINHO PRESTATIVO
Na Chacra, havia um negrinho
Humilde, de boa ginga
Mandalete, cumpridor
Carpia, enchia moringa
Personagem da minha infância
Onde andará o Catinga?
XLIX
NO MATINÊ
Fui muito ao matinê
São Marcos e Centenário
Trocando muita revista
Por falta de numerário
Canal 100 e faroeste
Pealando o imaginário
L
BAILINHO DOS MAMAUS
Pros mamaus, baile infantil
Era do bolo a cereja
Levavam suas crianças
Fase em que a vida verdeja
A desculpa era perfeita
Pra se tanquear de cerveja
LI
O JORGINHO DO AVENIDA
Cada um tem seu talento
Isso é verdade curtida
Eu vi jogar o Jorginho
Ponta-esquerda do Avenida
Suas peripécias com a bola
Encantavam a torcida
LII
CARRO DE PRAÇA
Pra quem chegava de fora
Com uns trocos a mais no Itaqui
Saindo da rodoviária
Tipo Uber por ali
Havia o carro de praça
Co'as rédeas do Seu Marci
LIII
BENZEDURA
Diante da aflição o pobre
Como ele pode se vira
Contra cobreiro e afins
Ou praga que alguém lhe atira
Nada como a benzedura
Da boa negra Edelvira
LIV
IMPACTO DO COMPACTO
“Por que você partiu
Sem me dizer adeus?”
No FIC, o João Carlos Pinto
Fez um disco todo seu
E pôs na boca do povo
A faixa que não venceu
LV
A ERA DO RÁDIO
Um rádio no Itaqui
Era mais que diversão
Unia a Chacra ao mundo
Tinha valor de montão
E num mau funcionamento
Se apelava ao Capitão
LVI
IDADE DA PEDRA LASCADA
Café preto, boia pouca
Num esforço de extração
Na brita da vida bruta
Sempre aguentei o tirão
E troquei pedra por troco
Lá no Cerro dos De Leão
LVII
O CHACREIRO
O chacreiro é um forte
E se tropeça não cai
Não o assusta a carestia
Leva o pago pra onde vai
Caminha do bairro ao porto
Prum abraço no Uruguai
LVIII
ELTON SALDANHA
De Itaqui pro Rio Grande
Para cantá-lo com gana
Esse chacreiro de escol
A todo o pago engalana
Vi o Benício ensaiando
Pra cantar em Uruguaiana
LIX
A BRONCA DA VÓ NENÊ
O meu avô Negro Oviedo
Trabalhava como um mouro
Mas desafiava mi'a avó
E arriscava o próprio couro
Chegava de madrugada
Do baile das negras Touro
LX
BANQUETE DO POBRERIO
Eu vou encomendar uns miúdos
Coração, mondongo, rim
Que é boia de primeira
De lamber prato até o fim
E pegar chúria pros bichos
Lá no açougue dos Betins
LXI
SEM COSTADO
Certa feita, o Ambrozio Mello
Quis um pleito disputar
Não foi boa a votação
Embora bem popular
Não puderam votar nele
Seus "eleitores" de Alvear
LXII
COMUNICADO
Chamando Estância Querência
No interior do Itaqui
Tô indo pela São João
Logo desembarco aí
Levo um sortido dos grandes
Que comprei no Seu Eli
LXIII
CARTÃO-POSTAL
Por ter ideias de esquerda
Sempre ouço mi-mi-mi
Uns me mandam para Cuba
Outros pra longe daqui
Eu vou mas levo comigo
O pôr do sol de Itaqui
LXIV
"ME DÁ O MEU GORRO"
O boné pra um guri
Na cabeça é marca e forro
Depois de artes, o Marija
Num ar de implorar socorro
Pedia ao seu José Júlio
Que lhe devolvesse o gorro
LXV
GUASQUEIRO DE LEI
Mês que vem me vou ao povo
Novos aperos buscar
Porque na vida de encilha
Mal dá tempo de amaciar
Já pedi por emissário
A dom Francisco Escobar
LXVI
O ATAQUE AO BARBEIRO
No Itaqui, o Seu "Olice"
Quase não teve depois
Sobreviveu, festeou muito
Conto que curioso sois
Não quis entregar o pelego
Saraivado a 22.
LXVII
PASTOR INCULTO
Uma vez, ali na Chacra
Num bolicho inativado
Fizeram igreja de crente
Fui de curioso e agitado
O pastor me derrubou
Diz que eu tava "endemoniado".
LXVIII
ABRAÇANDO A UNIPAMPA
Para as mentes embaçadas
Cuja moral desce a rampa
Que do baú das asneiras
Gostam de guardar a tampa
Engulam que o Itaqui
Tem orgulho da Unipampa
LXIX
DO "TERRA XUCRA"
O programa "Terra xucra"
É de se escolher a dedo
Do nosso Itaqui de sempre
É a marca e o enredo
Meio século de arte
Com o nobre Ceneu Salcedo
LXX
NOSSO SOTAQUE
Falamos "itaquiês"
Com alofones candentes
Fonemas linguodentais
Cantados dentro da gente
Por que eu diria "quenti"
Se eu posso dizer "quente"?
LXXI
DOMINGO PERFEITO
No domingo do Itaqui
O povo fazia mescla
Churrasco com maionese
O Ki-Suco que refresca
Um mate no cais do porto
E um banho no Caça e Pesca
LXXII
DA HORA FINAL
Chegada a hora final
Cumpra-se o eterno rito
Fica a réstia de saudade
Laureada em verso expedito
Da terra xucra que um dia
Foi berço do Manoelito.