[Mentindo-me]
[Poema desentranhado da peça "Dias Felizes", Samuel Beckett]
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Se eu perdesse mesmo a Esperança,
eu seria um prisioneiro acorrentado
a um Presente em que todos
os meus possíveis seriam feitos
de sombras vindas do Passado.
Então, o moinho da minha vida
seria sim, tocado por águas passadas...
E mais: se eu mentisse Desesperança,
por simples via de consequência,
eu diria que eu não tenho mais Futuro...
Se eu perdesse toda a Esperança,
eu seria incapaz de sentir Desejo —
nada mais me restaria senão
vaguear num mundo branco,
até o Acaso me levar à sepultura...
Mas para sorte minha
e azar dos que me são próximos,
eu não passo de um mentiroso
— eu ainda desejo —
vivo mesmo é mentindo-me!
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[Desterro, 19 de junho de 2013]