ÁGUAS DO MEU RIO

O meu rio

conta a minha história,

em frases líquidas

por águas murmuradas...

Sempre para aqui corri,

quando correr podia,

aqui disse, quando voz havia,

e fluí, quando rio eu era,

para este lugar singelo,

único e tão belo,

onde paro e me sento,

em suave espera,

escutando o lento

remanso do meu ser.

È aqui que soam

os cânticos sagrados

das raízes molhadas

suportando secas,

e antecipando flores,

luminosidades e odores...

E aqui ecoam também,

em rancoroso desdém,

as vozes das plantas dobradas

em vénias de sobrevivência,

caçoando do vento

em suas maleitas.

Elas dizem-me dos murmúrios surdos,

que são os protestos,

os gestos,

das pedras insatisfeitas

crescendo, em seu lento progredir

para se tornarem pedras...

Aqui eu escuto falas de vozes doces

no toque dos sinos,

tão alegres,

e rumores dos secretos destinos

das lagoas distantes,

onde subtis acasos levaram amantes

que nelas turvaram luas,

e onde fadas dançaram nuas,

e, virgens,

afogaram febres...

Daqui me vejo, a passar,

nessas águas sem fim

- imagens esboçadas de mim,

fluidos momentos,

dores, renascimentos,

uma história

em outras histórias,

um tempo,

em outros tempos...

Daqui me vejo, nessas águas

das minhas memórias,

onde, juntos, nadam cansaços e falhas,

solidões consentidas,

e outras vidas

flutuando em pedaços.

Dores, nas redes de finas malhas

com que me repesco

e pesco

as linhas com que me traço...

Em outras curvas

do meu rio,

houve dias

em que ganhei brios,

e me espalhei entre rochedos,

agitando lodos e medos,

espumando vontades turvas,

vontades de animal no cio...

- e só para morrer

em escarpadas margens frias,

em gelados desencantos.

Nas águas do meu rio,

também passam os meus prantos!

2/4/2007