Apetece(s)-me
 

Quando o amor morre em mim, as palavras não fluem. Pode ser uma morte simbólica ou uma morte efectiva — tanto importa a morte do amor, desde que ele morra em mim. Isto significa que há momentos em que a inspiração desaparece. Nada de novo surge. Nenhuma música me faz sentir urgência. Nenhuma memória precisa de ser (re)contada. Isto significa que há dias em que não consigo escrever sobre o amor — ou sobre a ausência dele —, ou sobre a raiva, ou sobre a paixão, ou sobre a loucura de tanto querer. Há dias em que nada disto me apetece. E em que só me apetece escrever sobre coisas comuns: as pedras da calçada, as janelas de vidro, a comida que estava boa, a minha obsessão por cheirinhos bons, as ruas que visitei, os pesadelos que tive. E, se nada tiver sobre o qual escrever, escrever precisamente sobre isso. Nestes dias, como hoje, o amor morre mesmo: em mim. Não há saudade, nem calor nas palavras que escrevo. Não há coração acelerado, nem bola de fogo a querer explodir no peito. Não há vontade de sonhar. Há apenas a necessidade de escrever sobre coisas mundanas: e de lhes tirar toda a poesia que poderiam ter. A necessidade de ser abrupta, crua, evidente. De esquecer que este espaço quer poesia. Porque há dias em que a vida não tem poesia — e, mesmo que tenha, não temos paciência para ela.

Quando o amor morre em mim: bebo blueberry smothies e como pringles; dou trezentas mil voltas em torno da primeira frase de um texto; oiço as mesmas músicas, em looping, à espera que alguma delas me acorde para o amor. Quando o amor morre em mim: a poesia sai-me do corpo. E fico dias sem conseguir escrever sobre aquilo que eu sei que vocês querem tanto ler. São dias em que sou apenas a Laura — igual a todas as outras lauras do mundo. E basta.

- Laura Azevedo

 

Liduina do Nascimento
Enviado por Liduina do Nascimento em 13/06/2013
Reeditado em 09/05/2016
Código do texto: T4338971
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