Ferocidade

Revela teu ódio

Nas grutas acústicas

De um peito ecoando

A dor da cascata

Sem fim desabando,

Mordendo na pedra

A própria desdita.

Vá! roto e precário

De tal desmazelo

Do choque imprevisto

Do escarro na esquina

Dos olhos cruéis

Que fazem tua cara

Cartaz luminoso,

Falácia venal,

Um palco de socos,

De chutes e murros,

De fera disputa

Por álcool e remédios,

Por roupa e alimento,

Por fogo e prazer

Nas sendas soturnas

Da grande cidade

Que encolhe miúdo

Teu corpo tão frágil

À sombra terrível

De atrozes gigantes.

“E agora, José?”

Cadê tua fala

Cadê teu discurso,

Teus pobres excursos

Qual asa ignota –

Voluta partida

Sem haste ou coluna?

Teu peito se ufana,

Mas pobre se infarta

Do que te enfatua,

Do que te enlouquece,

E logo enfastia,

Inútil cosmético,

Inútil doença...

Não tem mais a vida

Aquela beleza

Sensível das musas,

Das frágeis heróidas,

Carnívora flora!

E o que te envilece

É a penha estourada,

Floresta arrasada

Em ávido empório,

É a carne doméstica

À vida selvagem

Dos homens polidos

Jogada de súbito

Sem único aviso.

Por isso, velhaco,

Te fazes feroz

Entre hienas noturnas,

Felinos rapaces,

Que as presas espreitam

Ou sobras de açougues

Disputam famintas

Deixadas por feras

Maiores após

De todo fartarem-se.

Mas se nem entre hienas

Tu podes viver

Ou nem co’os chacais

Tu podes comer

De casca e couraça,

Então te revestes

Tal qual um tatu

Metido na toca

De um alto edifício

Com ratos e cobras.