Marcas Profundas
A floresta deixou suas marcas
No meu ser
Meus olhos de águia
Guia-me de dia
Minhas pupilas de corvo
À noite
Meu sangue é verde
Como as folhas das matas
Como os igarapés
Ora cristalino
Ora escuro
No meu umbigo moram cardumes
De peixes agressivos
Mas que passam a nadar em águas
Mansas
Quando escutam o canto
Da minha nereida
Eu que tomei seiva das árvores
Sagradas
Saciei minha sede com água
Do apuí mariri
Comi as féculas das pupunhas
E piquiá
Escutava o canto da uiara
Nas horas vagas
O vento nos poros do bambu
O arroio da nambu
O encantado canto do rouxinol
A canção do uirapuru
Os versos do sabiá
Ela deixou seus ensinamentos
No meu coração
De curumim
A visão da vida nos meus olhos
De caapi
A conjugação dos verbos
Para os tempos difíceis
Para os momentos de eternidades
Quando cheguei à cidade
Fiquei confuso no cais
A Maria-Fumaça que vem e passa
E tive que tomar um sumo negro
Numa cuia de vidro retorcido
Comer peixe na tigela
Com um tridente contorcido
Senti saudade
Muitas saudades condoídas
Minha canoa
Meu corpo nu
Minha alma tupi silenciosa
Meus olhos encantados
Meus pássaros que emprestavam
Suas asas para eu voar
Pelos céus
Meu primeiro amigo da cidade
Foi um grilo
Ele também parecia confuso
E perdido
Solitário aturdido
Grilado
Queria ultrapassar a vidraça
De uma janela
Por que do outro lado
Estava o horizonte azul
Ajudei ele alcançar seu horizonte
Conversamos muito
Nunca mais o vi.
Luiz Alfredo - poeta