[Sangue na Saída]

Acompanha-me desde os cinco anos de idade esta terrível e clara noção de estar à beira do abismo da existência. Naquele meu aniversário de cinco anos, eu subi na base de cimento de um poste de trilho, e, segurando-me com uma só mão, girei o corpo em volta do poste, para um lado, e para o outro... o peito aberto para o alto, a cabeça virada para baixo, olhos voltados para o céu...

Então, eu vi o profundo céu azul, mas vi também o mistério do poente tingir de vermelho a Saída de Piracaíba... Uai... então havia sangue na "Saída"?!? Eu sorri da minha conjetura... A distância além do poente, rumo de Goiás, era tão inescrutável para um menino que completava cinco anos quanto o vasto céu azul profundo... Eu sei: acima de mim, no céu, e além de mim, na distância, não havia, nunca houve respostas...

Naquele instante, eu disse em voz alta que nunca me esqueceria daquela tarde, quando, num giro rápido que me tirou de mim mesmo, eu ofereci o meu peito ao tempo... E o giro estonteante durou o bastante para que o meu olhar captasse o céu azul-profundo e o sangue do poente derramado sobre a Saída. Então, desacreditei de tudo, de Deus, dos homens, da vida... Eu vi que a vida é nada... vale nada. A grande questão da vida, aquela que angustia a todos, é a inexorável Saída...

E sim, eu vi mesmo sangue na Saída... E sinto, como senti a friagem daquela tarde dos meus cinco anos, que há sim padecimentos, há sim, um “preço de sangue” sobre a Saída da vida. Não está sendo fácil sair... para quem não soube chegar aonde cheguei!

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[Desterro, 21 de maio de 2013]

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[Nova síntese: escrever é traduzir em palavras o fracasso de não saber pintar! Palavras nunca bastam... um pintor diz tudo, sem gastar verborragia! Se eu prestasse com os pincéis, em lugar de escrever, eu me pintaria aos cinco anos, naquele dia em que eu vi o que há para ver na vida: o sangue sobre a Saída... poderosa metáfora? Nem tanto...

Pintura que não sei, poesia que mal escrevo... huummm... Agora, penso num outro escape, penso no caminho apontado por Proust:

"Somente pela Arte podemos sair de nós mesmos, saber o que um outro vê desse universo que não é o mesmo que o nosso e cujas paisagens permaneceriam tão desconhecidas para nós quanto as que podem existir na lua."]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 21/05/2013
Reeditado em 21/05/2013
Código do texto: T4301904
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