Eu Sabia Sabiá
É agora eu sabia
Que o sabiá não voltaria
Lá
Ele tinha a mulher que queria
E era amigo do rei
Tinha seus versos pregados
Na porta do palácio
Escrevia seus poemas
Com a última flor do Lácio
E na língua que quisesse
Os alcalóides não eram proibidos
Nem andar de bicicleta
Lá se podia ser poeta
E amar com libido
E seus poemas eram lidos
O poema podia ser declamado
Nas praças
Nas avenidas iluminadas
Calçadas
Nas ladeiras declinadas
As palmeiras não eram coqueiros
Mas eram doces tamareiras
O mar verdinho
Como uma esmeralda liquefeita
Os seios da amada eram macios
Como dois pêssegos de cetim
Seu umbigo uma lagoa de doces
Figos
Onde os pássaros índigos
Vinham cantar suas canções
Lá se pode deleitar nos braços
Dela
Enrolar-se no lençol bordado
Pelo canto do rouxinol
E no arrebol
Quando sol estiver indo embora
Com sua misturada de cores
Fazer um verso de amor
Pra ela
Por que aqui vale a pena viver
Lá
Tenho pena do curió
Que vive só
Sem viola sem canção
Dentro de uma gaiola
Tenho pena da patativa
Sem poemas
Sem sativa
Numa pátria cansativa
Sem cantar o seu cordel
O assum preto sem poder
Olhar o céu
O carão cantando no seco
Sertão
O uirapuru sem floresta
A nambu num prato de farofa
Papagaios verdes num alçapão
Sabiá não quis voltar
Mais não
Ficou cantando exilado
Aqui também o céu é estrelado
Não é como lá
Não tem um belo luar
Mas o bardo é respeitado
Não vai ser aprisionado
Nem vai ter o os olhos arrancados
Nem o coração machucado
Aqui ele mora num ducado
E o povo é educado
Aqui ele é amigo do monarca
Não paga tantas prestações
Escuta muitas canções
Não paga tantos impostos
Andar devagarinho
Escutando as estações
Pode ler tantas poesias
Que nem amanhece o dia
Com seu primeiro clarão
O sabiá-laranjeira na florida
Mangueira
Dedilha sua canção.
Luiz Alfredo – poeta.