CAMINHADA

Manhã de julho,

caminho a ermo pela praia

pés banhados

por suaves ondas de maré morta

e a pressão de meus passos

afasta por segundos

a umidade da areia

em círculos fugazes.

Minhas pegadas

tão bem apagadas

imitam ilusões

que se desfazem a cada dia

mas o prazer, o ócio

e os mistérios da Bahia

me seduzem

meu tempo é agora

meu espaço é este

nada mais existe

além de mim.

Cabeça baixa

andar preguiçoso

cambaleante

reconstruo os vestígios

de ontem

espalhados no caminho.

Aqui a ponta de cigarro

marcada de batom

adiante restos de isopôs

sacos plásticos

latas de bebidas

sucatas da civilização predatória

superando as conchas

e indecisas algas

que insistem em marcar

vestígios de natureza.

Uma cruz em paus de picolé

errando ao sabor das águas

evoca a minha cruz

o meu dilema:

de novo antevejo

a síntese futurista

do humanismo cristão

e marxiano.

Caminho aqui e ali

de lá para cá

até sentir o calor abrasador do sol

avisando que a paz do momento

é tão efêmera

quanto duram na areia

os círculos menos úmidos

construídos por meus passos.

O trabalho me chama,

devo obedecer.

1984