Cravo Vermelho
O cravo vermelho que tenho na lapela
insiste já que vivi nalgum romance
e que já tive a eternidade ao meu alcance.
Mas o tempo passou num relance
e despercebido eu nem vi que também tinha ido.
Que também fui roído. Também fui moído.
E que por Cérbero, tinha sido mordido,
sem sequer ter tido o epíteto
de problema resolvido, ou de inimigo abatido.
Restei um ombro. Restei um escombro
que agora sustenta um Cravo desbotado,
que já nem assombra os raros olhares
que passeiam pelos boulevares
em busca das Senhoritas dos bazares
e das das Senhoras putas nos sujos bares.
Os homens de branco enfiam-me pílulas na garganta
e me xingam de ateu, terrorista e filho da anta.
Eu os chamo de "Carrascos Redundantes",
já que os conheço das torturas de antes.
Exigem que eu volte à Realidade e pare
de escrever essas bobagens.
Dizem que a Guerra tudo danou,
que o Mundo mudou e que o sonho acabou.
Que foram fuzilados os malditos romancistas
e que agora só vivem as Estrelas de revistas.
Que eu esqueça qualquer ranço de lirismo,
antes que o sumidouro me leve para o abismo,
ou que seja forçado a entrar nas águas do batismo.
Que eu me contente com as sobras,
pois o tempo não tem dobras.
Personagens pequenas, daquelas de fundo de cena,
borram o vermelho que ainda havia no meu cravo
e amassam a lapela que antes era engomada.
Mas eu mantenho a insolência e cuspo
nas Vossas Excelências. Nas ditaduras excrecências.
Eu sinto que me batem, mas adormeço nas braços da Musa
e toda dor é esquecida quando o Cravo volta à vida.
À Musa.