A dúvida da palhaça
Não, eu não sou engraçada
Apenas uso a graça das palavras
Para expôr algo incontestável
Que é a realidade de muita gente
Gente como eu
Que penou e sofreu
Por não saber que a verdade
É um telescópio dúbio e maroto
Que engana quem o usa
E julga quem é observado por ele.
Deveria eu então usar a graça das palavras
Para deixar todos na dúvida da sua vã certeza das coisas
E saber que apenas duvidando estaria eu sendo verdadeira
Mas ao mesmo tempo assassinando
Toda e qualquer chance de ser aceita e adulada
Não sei dizer,
Sou suscetível a elogios como todo mundo é
Aceito a adulação da risada
Mesmo a forçada
E contento-me com a inútil certeza da minha dúvida
Guardando-a no abissal do pensamento
Quem sabe um dia, alguém me lendo
Descobre que eu não era a engraçada
não era a palhaça das risadas,
Mas sim, a manipuladora das cordas das palavras
A artesã dos bonecos de madeira de feitio vulgar e enfeites rudes
De palavras umbráticas e torpes, que expunham
A dúvida, tendo nela a única certeza além da morte.