Hoje nada de novo acontecerá
A ser exato
Novo é mero adjetivo
Na verdade, nada acontecerá!

Meus caminhos pós alvorada
Serão os mesmos, plasmados
Esquinas decoradas com rigor
Ah! Melhor não acordar.

Terei meia dúzia de problemas
Sobre a mesa de trabalho, adormecidos
Dragões domesticados, mas letais
Quem se importará se eu
Desaparecer
Engolfado em suas chamas medievais?

Não fosse pelo crachá
Eu nem existiria...
Seria sempre o menino ilusório da minha mãe
O marido conveniente da minha não-esposa
Burocrata perfumado com essências de avelãs.

Não posso esquecer que ganho direito
Vendendo a preço vil a consciência que me restou...
E, pelo mesmo brutal valor
Sorrio e ao final escapo
De volta ao mesmo lugar onde sempre estou.

Não é difícil me achar.
Nesta rotina geograficamente certa
Estou sempre indefeso ante meus caçadores
É preciso não pensar
Há trabalho, sim
Trabalhemos!
Aliviemos por instantes
Nossas mais íntimas dores.

A orquestra do mundo nos dá um lar
No qual, patéticos e satisfeitos
Nos fazemos ocultar
Intimidade de portas e janelas
Onde só a rotina consegue penetrar.

E eis que o faz - imaginem- sem mandado!
Deus meu! Tamanho desacato...
É preciso protestar!
Mas amanhã, só amanhã
Deixemos ao amanhã os protestos
Amanhã, bem cedo, depois de acordar...

Mas, de novo, nada de novo acontecerá
Para ser exato novo é adjetivo
Nada me acontecerá!
Os caminhos pós alvorada
Serão de novo os mesmos
As esquinas decoradas com pavor
Melhor não acordar.