LUCIDEZ

O ar se dispersa como um lastro e desce pela orla das árvores azuis ao crepúsculo. Não muito mais entre a neblina, o silêncio focado nas luzes distantes. Narro um sonho lúcido, aquela margem em que se pode escolher o destino. Um compromisso com o real, passear pelas sombras aneladas de uma floresta que não existe. Unidos os lábios às palavras ou os dedos aos dedos, nenhum espaço para inscrever o corpo sob a leveza de um vazio. Tudo flui. Talvez se dilua o tempo na aproximação à morte consciente, o que gostaríamos de saber para descrever aos olhos. As folhas aspergem o hálito da noite e o ar marítimo regressa às ruas num torpor insone. As casas estão fechadas e os objetos não se distinguem nos filtros impostos pelo nevoeiro. Tudo parece quase deserto. O lugar do próprio sonho aonde se vai, correndo pelas escadas para inventar a última frase possível. O significado das escadas num sonho, pensei. A praia na infância que foi um pouco a nossa história, talvez as horas vividas num café de espelhos, aqueles dias num hotel do mundo, quando se parte em viagem por um assédio ou por nada. Mesmo as locuções de um alfabeto que não existe e quisemos inventar. Isso, o que levamos da vigília com as veias à flor da pele inconsciente. Até ao sonho lúcido para descrever aos olhos – o que existe.