Meninos não choram.
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Por que faz tanto frio lá fora?
Fora do círculo o fogo dissolve a aspereza das mãos.
Perto do fogo o veto é desumano em degelo.
Hoje me sentei ao lado de um menino, um menino negro,
um menino que estava preso, mas podia ir à escola,
Seu nome Maicon como o de um Rei que desvaneceu.
“Tráfico e roubo, mas tenho bom comportamento.”
A professora deprimida mal conseguia lhe estender o olhar,
presa no frio da navalha de sua cadeira.
Os dois, lado a lado, juntos aqueciam seus corpos num latão imaginário.
Juntando melodramas coloridos ao fogo. “Depressão, mas me readapto bem.”
Como espíritos avulsos e sem reconhecimento, errantes nas sobras das ruas marginais.
Na sala de espera ficamos por mais de quatro horas sem controle remoto para estancar o tempo.
A professora readaptada, o menino do reformatório, quatro horas e meia de espera.
Ela já vem. Ele já vem. A Polícia. A ambulância. A cura. A morte. A máquina de ocultar nossos desaparecimentos.
Ninguém chegará para nos alimentar de sorte a solidão compartilhada.
Um ponto cego nos incomodava: _ se eu ficar, prometo cuidar de você.
Um ponto cego nos iluminava: _ se eu ficar, prometo ser bom pra você.
As mãos de Maicon eram longas demais para um menino,
mas seus olhos não: “Se eu ficar prometo mudar de vida. Eu posso ficar?”
“Eu tenho medo que você fique, você é parte da minha doença. Mas eu também já não quero que você parta. Cure a dor que há em mim. Eleve a minha alma.”
Quatro horas de séculos de fortuita tragédia nos unia em torno do fogo. Jazia tanto frio lá fora na imensidão dos homens adultos em torno de um punhado de poder...
Pude sentir a tristeza da espera do menino: “Acho que não me querem”. Ele pressentiu a minha: “Acho que não me querem.” Sentados ao avesso, vagando invisíveis pelas celas, salas, corredores de pedra. Tantas pedras nas mãos para atirar. Tanta raiva. Tanta dor de raiva pra tirar.
“Você ficam e podem ir.” Uma voz avisava do alto de nossas deficiências particulares.
Atravessamos o corredor. Dizem que há uma luz para todos que atravessam. Não a vi, talvez tenham desligado. Meu casaco era pouco para o frio da rua e sua nova saída. Apenas a mão de Maicon sobre meu ombro parecia acesa. Sem palavras, sem corpo de signo, apenas a mão dos nossos flagelos nos despedindo. Sem sal de olhar sigo o caminho em outra vasta direção.
Um cachorro magro me acompanha, posso sentir sua fome quente queimando meu calcanhar. E me sinto de novo amparada.
Patrícia Porto