Interlocução própria
Enquanto folheava as páginas de minhas lembranças
bebia vinho, um tinto e bem seco copo de desalinho
embora nervoso, contive os braços e não lhe abracei
suave veneno, a garganta agradece e a língua aplaude
enquanto deságua o sabor na sua boca, que diverte o gosto
na ponta dos dedos um ciclone, em formato digital
enquanto diverte teus lábios confusos, derrama o esmalte bordô
esconde o cheiro, esconde o valor, que vibre os olhos do interlocutor
a navalha delicada acomodada no copo fino do criado mudo
a tesoura ocupa um canto sem tirar a atenção do escuro
a vitrola ultrapassada presente simplesmente nos traz
os sons atrevidos e distintos do singelo violino,
troquei meu casaco, por um sobretudo melhor
comprei um chapéu, charuto, guarda chuva e uma maçã
troquei dois cigarros por um gole de cachaça de hortelã
vi meu amigo me sorrir de costas, e desandar sobre a avenida
quando eu trabalhava, sem saber por que algum motivo deveria de ter,
montanhas maiores que monte Everest, escondidas na ocasião
que vinham do oeste e foram do leste, mandando lembranças e semblantes tristes
queimaram o desamor agrário, reformulado, primordial e secundário,
um dolorido quitute praqueles que sofreram de maneira diferente, feito beija-flor mutilado,
escurecido, como mato queimado, solitário como um coco abandonado,
decepcionado, como lápis sem cera, como criança inocente
com gosto doce sem o amargo de um chocolate derretido
na desilusão de um violão sem trato, na insatisfação de um compositor sem copo...