O meu canto

O meu canto

tem o eco profundo

de mim e mil outros que fizeram o caminho

do Mundo.

Tem coalhadas, lágrimas caídas do assassínio

da noite morta, na espada das albas madrugadas.

Tem o regurgitar de milenares estrelas novas,

e dos trovadores, todas as silenciadas trovas...

Terá igual verdura, das águas recolhidas,

na noctívaga gruta escura.

Terá da altaneira montanha, quiçá o reflexo

de uma luz algo estranha, que a beija, que a morde

e que a purifica, quando banha ...

E das erectas colinas a tenaz vontade de perfurar

neblinas.

E no azul do céu, tesouradas inopinadas das

minhas próprias asas...

E se ser poeta é loucura,

o meu canto, tanto tempo em mim silenciado,

cantará alto todas as brumas das madrugadas,

cantará as poeiras ácidas das estradas

cantará os alcatruzes das noras

(o teu pranto, quando choras ...)

Cantará os pessegueiros floridos, os seus

adocicados cheiros. E das donzelas o desejo

povoado nos bicos dos seus seios. Dos mancebos

o alargar dos seus ombros e dos peitos,

em anseios de deleite ...

E cantará a agonia dos humanos defeitos.

E cantará em contraponto, as flores a despontar

nos pomares. Que aqui, neste Mar das Caraíbas,

juro a Itzamná, Deus criador,

Supremo Senhor do fogo e do das coisas do coração,

que o cantarei ardente e alegremente,

que lhe presto veneração.

Que farei da palavra a santa espada.

Que adorarei os altares de Ixchel, a Deusa Lua...

Que me renderei a Kinich Ahau, vergada ao Deus do Sol.

De joelhos, curvada,

invisto-me das coisas banais e de ancestrais sabedorias.

O meu canto terá o eco profundo nas rotas de antigos Mundos Mayas.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 26/03/2007
Código do texto: T426243
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