Meu ouvido não é penico
Tem gente que acha que devo saber de tudo. Tem gente que pensa que sou obrigado a opinar, ouvir, falar, saber o que disseram, quem morreu, quantos barcos afundaram, se o ônibus pegou fogo e se há sobreviventes. Tem gente que me obriga a ouvir o som que não quero, se samba ou bolero, tudo em nome da boa educação. Tem gente que me fala sobre árvores que caíram, lixo acumulado, floresta verdinha, cavalo atropelado. Tem gente que me diz do preço do gás, da alta do arroz, tomate e feijão. Tem gente que me conta o que viu na estrada, a vizinha doente, a outra descarada. Tem gente que me pede pra fazer oração, divulgar uma festa, ouvir uma canção. Tem gente que me chama no canto, me diz do seu pai, que a vida tá dura, que viver não quer mais. Tem gente que me liga, me manda torpedo, dizendo que a vida vai se acabar. Tem gente que acha que devo saber, de tudo na vida, de tudo do mundo. Tem gente que me chama e me diz que eu não me importo se o rio transbordou, se a casa caiu, se o bar já fechou. Mas eu não dou conta, nem mesmo de mim, nem quero saber de começo nem fim.