Sob as estrelas

Clara é a face de um homem que se ergue

contra a vil destruição dos seus iguais.

Não sabemos quais foram os valores

que da razão se foram iludindo,

só sabemos que erguido, um homem, é sempre belo

e que a beleza é a razão de todas as razões.

(Regina Brito in "Das palavras")

Sob as estrelas ouve-se o gotejar da luz que

se irradia na noite azul.

Ergue-se, luminosa, a lua em seu silêncio

e na noite é uma pérola trêmula e cintilante.

As flores dormem sob os arabescos que as sombras,

lânguidas, desenham na lenta e vasta escuridão.

O homem dorme e dorme com ele o mundo.

Tece o sono o sonho em recortes amarelos.

O vento sopra os sonhos ao longo da noite,

interroga a cadência dúbia da escuridão,

esconde as palavras que escapam aos lábios dos anjos

e aos sonhos que correm sem resposta e

que embalam o homem que, erguido, é sempre belo.

Na manhã os caminhos suspiram solidões, lembranças,

onde agonizam os astros e onde emudece o grito

por trás da grande muralha de soluços pungentes.

Cantam os rios com suas vozes de terra úmida.

Cantam os rios das aldeias a ausência insofismável

do luar refletido no vulto das horas dissolvidas

no vento que soluça por entre as folhas das árvores.

Sonolenta, a vida brande e enlaça a vertigem que repercute

no ar e que faz brilhar os olhos do homem que se ergue

contra a vil destruição dos seus iguais.

O sonho utópico, carregado de insondável solidão,

mistério insone, é a adaga que há muito o dilacera.

Os passos calcinados e ainda mornos esboroam

as sombras das lembranças de um passado impressentido

como a lágrima misturando-se à bruma que vem do mar,

como os abraços adormecidos e descompostos de uma saudade,

como a alma adormecida em seu imarcescível silêncio,

que há tanto tempo absorve as horas cinzas

deste vento frio que se incrusta nos espaços

por onde o inverno arrasta as últimas folhas.

Um sol opalescente ascende e cintila descobrindo

o verde das árvores anoitecidas,

sem forma e

sem tempo

Não demoram, palpitam os girassóis

ainda molhados pelo sereno que faz do dia

um pequeno esboço do mar que se desfaz

em gotas nas pétalas que guardam o rendado de uma teia

A manhã exprime o que somos

Não há passado, nem gestos subtraídos

Há o homem que, na primeira madrugada,

tateia o escuro sem resposta para o que é

"o destino de morrer"