rapsódias (cruas)
Passinhos de Palhaço
O tempo me tomou o paninho de prato
meu potinho pequeno de barro
O tempo é assim
Toma conta de tudo que a gente gosta
Pegou minha namorada e jogou no rio
O tempo transformou tudo numa fruta madura
Em talos amarelos e secos
Qualquer vento derruba..
Até o lugar que eu amava
o tempo tomou e vez dele
Um canção num retrato
O véu cai e minha a vida
da passinhos de palhaço...
cabeceira anzol
das terras e das trevas
e ser sol e ser claro,
um espanto, um espasmo
pergaminho santo
do gesto do poro
da língua que nasce entre as
pernas dos mundos,
do sumo parido dos
veios maduros
da folha verde
fatiada na palavra
na cabeceira do anzol;
um des (morrer) nas águas
que da linhagem dos
corpos influencia as
marés
da lingua
da língua
da pedra
seu rio de açucena
abismado da dor
e da poeira
me desliza entre
os dedos
e vejo linhas
brancas que
se amarram;
meu desejo é
sua ladeira;
são barcos
sem pernas;
o veio da madeira rapta
o vento e sucumbe-se
ao freio da morte;
e o tempo voa
em vulgos alados
a dança
de quando
a rua é aberta
o corpo se entrem
e o mar é eterno
E o recato é apenas
a moldura do retrato
O verde
O verde da folha do milho
É o verde da folha de goiaba?
E o que falar do verde
Do grilo, que alguns no
Estado da Bahia chamam de
Esperança! ...
E o verde do mar,
E o verde da mocinha
Que ainda não sabe de nada...
E que é bela por causa disso.
Que sua beleza vem desse
Verde que ainda lhe exala?
Que espécie de sonho
Vive as coisas bonitas
Que se deixam inundar
Desse verde?...
Gosto de verde, como gosto
De fruta verde,
Dessas frutas que o verde
Não está somente na casca
mas no miolo, na intimidade
da fruta...
A mesma fruta verde
Que não sabe de seu destino.
Não sabe que algo
Vem lhe amadurecer,
Tirar-lhe sua cor,
Porque algo da vida
Lhe precisa assim...
A vida deveria ser toda verde
Sem o apodrecimento da noite
Ou das coisas que não tem cheiro
de verde.
 
Contra correntes
O pássaro
Não voa somente
Por causa de suas asas...
Se não houvesse o ar
Penetrável, denso, fluido,
Resistente...invisível:
Não haveria vôo...
Se a asa do pássaro
Nada empurrasse ao
Bater:
Não haveria vôo...
Eu só ando pra frente
Porque empurro o chão
Pra trás...
O pássaro só voa
Porque empurra o ar
Para baixo...
Só me movimento
Quando empurro o que
Me segura...
Vale para o pássaro
Vale para o homem
Vale para o poeta
Não pense que o ar
Deixa o pássaro voar,
Ele só voa, porque
O ar lhe resiste.
seus olhos
Quando seus olhos bonitos
Pousaram sobre os meus
Eu era penas um rapaz
E eu não sabia o que era
Aquilo...
Os meus vagavam por
Outras ruas e outros cantos
Não queria descanso
Queria vagar entre corredores
Praças e matinês.
Depois seus olhos migraram
Para a janela da sala.
Entrou em ruas e automóveis,
Campos e fábricas, foi-se
Encorajando...
E finalmente, numa
Manhã de outubro chuvoso,
Seus olhos pousaram
Em outros os olhos...
No centro da ponte que liga
Duas das faces de um rio...
Estou eu...
Uma das faces (sempre
Escondida quando rio é sujo)
É côncava como uma colo
De uma mãe que ama e
Que se dá...
É o sulco das águas,
Onde livremente o amor
Escoa
E a pedra que solto não chega
Ao fundo que miro,
Chega onde o amor permite
Vida cantada
Eu me atraio pela vida da
Cigarra
que chega a morrer
de gritaria...
O mundo é estranho
"Quem não gritaria ? "
Eu Quero uma vida gritada ...
Não quero uma vida
vazia...
um dia
eu vejo que sobre
o mar vagueia uma
ventania sonora;
o sol, que cospe
barbas amarelas
e o céu, que de azul
o mar tempera
que a vida é
bela, que a areia
É limpa
E que, ao me dar
Sou esse dia que grita
Pedra angulosa
O rio desce, o sol sobe.
Minha vida é bela.
Minha vida é nobre.
teu seio tem norte
tem focinho,
a tua pele e tua verdura
de amor me cobre
eu canto, eu rimo
E faço do angu
lacticínios,
e meu paladar
ouve sinos
Eu sinto a vida mais simples
eu sinto a vida
na sua ternura mais
tênue,
eu sinto que o céu é
meu, e que meu
sono se acaba...
Na memória
eu carrego o mar
e a misericórdia;
eu sinto que a vida
é feita de ternura
e que algumas coisas
nunca voltam ...
avião
já busquei aceitação
ja procurei perdão
agora...
Avião
que o mar se abra
Quero o amor
Mais Lindo,
Um amor que não
Se esconde...
Quero da vida
Uma vida mais
Linda, como um
Amor que responde...
Quero o sol,
O sol mais claro,
Um claro assanhado;
E que essa dor se canse
E que paredes cedam
E pássaros cantem;
Que a tristeza se perca
E a que alegria avance,
E que assim o seja
O coração dos homens
verso sentido
pego a matéria
inculta e sem forma,
e em estrofes,
amarro e lustro,
pra deixar bonita
e conforme...
eu singro o abismo
e de armadilha
em versos, como
a arapuca o passarinho,
eu capturo do mar um trilho
e lhe circulo bem seguro
e o armo de sentido
e com a forma lhe faço
um escudo;
é assim que faço um
poema, fazendo um
ripado do fundo
a semente
Se fecho a porta que se abre
Quando uma semente se espanta
E nasce, e a luz arrebenta o medo
De estar livre como se amasse.
Se finjo não estar atento
Ao mistério que se participa
Do trincar de uma semente madura
Que se descobre sol e se realiza...
Se escondo de meu olhar essa
Riqueza que é lida, de ver tudo
Transformar...e banhar-se de vida
Não apreendo da semente:
A lição de estar crescida!
já não sou o mesmo
Na distância
De Que padeço
Sinto na pele
Que anoiteço,
Sinto o cheiro
De pernas, de boca
De tornozelo
E pois mais que
Escureça ,
Do seu gosto não
Esqueço;
Isso me deixa vivo
mas não me deixa
o mesmo...
Minha Rosa
era de ferro
minha rosa,
minha rosa
era de farelo
minha rosa era
de espasmo,
era magra,
não soletrava
beleza, nem
esperteza,
nem tão pouco
indulgência
era uma rosa
precária,
desamparada
anti gregária ,
não era a rosa
do espanto poético
estética, alarmada
mas era uma rosa
camarada
Cosmogonia
o amor bate forte e derrete
o gosto amargo que ficou de ontem;
a lama diluída que, suja e frígida,
arde no coração do homem;
bate no fundo escuro, bate e arrebenta
o muro;
arranca o medo á martelo e fecunda
o tédio pressentido , e dá á terra pálida
a cosmogonia de um sentido...
cálamo
Alegro, Pois a vida existe
E os dias estão
Cheio de acontecimentos
Meu rumo é o fim
Do dia, como o do sol;
E eu canto sem culpa
Como os pássaros e como
Os artistas ambulantes
Meu coração ouve histórias
Do fim do mundo
Mas a tristeza é serena
Como o abraço da noite...
Eu ando junto a rio: profundo
É cálamo,
Pois tudo é um sonho.....
quebra de espelho
Eu fiquei tanto tempo enganchado num espelho
Que confundi minha imagem com as pelancas do joelho;
Agora, trincado o que eu via, Eu não sei se vou, ou se fico,
Ou se pulo como um coelho!
dedos extensos
eu sou menina
esmaltada,
que corre tipo
uma santa,
espreitada...
que vive num
miriade de olhos
pardos, castanhos;
azuis:
malvados...
que pede alegria
que pede esteio;
mas todos caçoam
do meu amor...
sou uma menina
de dedos longos
e cidade extensa ;
de magro ordenado
que joga pernas
pro ar...que mora
num folhetim
descuidado
trabalho duro
esse de amar!
Goles
A infância rodopia
de vestido como
um menino de unha pintada
e sob o langor do sol
pede carnaval e cachaça
é a mesma canção
triste que me enrosca
nos dedos
Que me diz em trapaça:
vem que eu te desejo
Somos frutos do mesmo
Raio, do mesmo parto,
Do mesmo quarto, nascemos
Juntos na noite daquele beijo
e que me embrenha na pele
e do meu fígado toca
um maracatu do nordeste
mas eu queria ser apenas
poeira
e não esse alarde...
em vez de amar pela fome
amar por vontade
morre-se
Morre o portão
A janela
Morre tudo...
Até meu peito tantas vezes morreu.
De fome, de desejo também se morre.
De ter amado com gulodiça
De ter esperado em demasia;
Morre com razão
E mesmo sem razão
Morre porque é vivo
Porque arde,
Quando as pernas já não aguentam mais
Pula
Dói
De tristeza ou de secura,
De asma, foi assim com seu Gerson,
Ou de fome, como Ananias,
Ou atropelado de caminhão como foi
Com Carlinhos .
Ou de saudade, como a mulher de seu Caroba;
Alguns morrem jovens
Os velhos de cansaço
Mulheres traídas morrem um pouco também...
Tem uns que morrem e passam a vida
Toda se fingindo de vivo,
Quando seus olhos não fala
De outra coisa,
As flores duram pouco
O sol dura um dia ( há aqueles que
Falarão que ele volta – mas só depois da noite)
As estrelas, uma noite
Amizades esfriam como morte,
Não importa como é
Nossa barca singra,
escorrendo para o fim.
E vamos deixamos coisas
Mortas pelo caminho.
Viver inteiro (um vão)
Nesse barro o choro é sobre a algibeira
No escasso mundo que se viu parado
E o que fica bate ao encontro certo
Das entranhas que se fincou atado
E o soberbo gás que da vida evapora
Joga-nos nas montanhas do medo
E escondidos das trevas inodoras
Buscamos a certeza dos esteios
A cilada é perdida nas agruras e nas
Estantes que nos mares os livros levam
E nas parte que o tempo nos conformam
Nos distrai e nos rouba e dilarecera
E jurando, pois a vida é duvida, criamos
Noutros mundos, noutros medos, e caímos
De novo em tentação, em tentar, em vão,
Viver inteiros....