BRASÍLIO
quase nada mais lhe resta,
sobra-lhe apenas um tempinho,
a morte certamente virá
decerto
quieta como quem acha
sua vida já gasta...
perdeu a mulher, a mãe, a filha
tudo que de dignidade lhe sobrara
num trágico acidente de País!...
perdeu a idade, a velha identidade
os traços sinuosos de sua simplicidade
a assinatura borrada que construiu o País!...
perdeu a ilusão de sonhar com a cerveja
no copo cheio de risos debochados, qual futebol,
mesmo que seu time perdesse o campeonato do País!
Perdeu a vergonha de vez,
foi assaltar, sem jeito,
o mendigo de mãos dobrando a esquina,
a banca cheia de más noticias,
os passageiros da noite...
perdeu a vergonha num só salto,
pintou o sete, qual gato,
estuprou a filha mais moça da vizinha
e decretou a lei do silencio
aos que o reconheceram.
Certamente haverá um tempinho
para escrever no cartão
de quanto será o resgate
do indefeso condenado,
cidadão torturado,
cuja vida mora em suas mãos.
Um tiro seco e mais nada!...
o atirador de elite
fecha a carreira e a vida de Brasílio,
que ainda tem tempo de chorar
a falta da mulher, da mãe, da filha, da sua tara
da cerveja derramada
de um campeonato já perdido.
Quis até assinar o nome no bilhete do resgate:
sentiu saudade de letra tortuosa
ensinada pelo Mobral
para um cidadão.