HABITE-SE
na casa
onde nosso corpo habita
não há vizinhos nem silencio,
na casa
onde nosso corpo fez morada
nada é completo nem inútil;
toda ela,
bem decorada,
guarda o encantamento maior da intimidade:
desde a sala pronta para abrir e folhear memórias
até o quarto montado, sem penumbra, para os sonhos
a casa
onde nosso corpo habita
na mesma noite em que, eventualmente, será ouvida
poderá não revelar os eternos silêncios sepulcrais,
a casa
onde nosso corpo fez morada
no mesmo dia em que abriu as portas para a maré-alta
fechou suas janelas rangidas pelo sudoeste triste;
toda ela,
bem acabada,
acomoda o sotaque de todas quase sempre-vivas
como num jardim concreto, sem a beleza das línguas
em harmonia com as bocas prontas ao pudor ou mistério.
Cada vez mais íntima de nós,
a casa
onde nosso corpo fez morada
permanecerá
com a nossa cara, com o nosso cheiro, com o nosso jeito
— não sei se por muito —
do tamanho nosso, seus únicos habitantes:
mesmo se no terceiro dia, cúmplice pelo atraso,
uma menstruação voltar a dar sinal de vida, impune!