Parto e Partitura

Uma palavra escrita no meio do papel

germinando um verso.

Assim me ensinava o poeta.

Lembrei da aula de ciências da pré-escola

da brancura do algodão rasgado

pelo germinar do broto verde

Achei bonito isso.

Queria eu ter uma criação assim.

Delicada e cuidadosa

Um parto de cegonha

Um escrever de agricultora

Queria eu plantar uma letra semente

em miolo de página branca

e ficar ali, paciente e maternal,

observando o brotar do grão.

Eu nunca consegui escrever olhando palavra.

E páginas brancas, no máximo,

me remetem a nuvens

ou a lençóis.

Eu só escrevo quando a Poesia olha para mim.

Às vezes, a Poesia se escancara em frente aos meus olhos

e as letras começam a me escorrer pelos dedos

sem que eu possa controlar.

É algo como peito de mãe

escorrendo leite no meio da rua

só porque ouviu choro de criança.

E nem era sua aquela criança.

Às vezes, estou quieta no meu canto

naqueles dias em que a gente acorda normal

naqueles dias em que a gente nem é poeta

um dia assim como o de hoje

Aí, vem uma lembrança ou um pensamento.

E, pelo canto do olho,

eu vejo a Poesia me olhando.

Já tentei, algumas vezes, desviar o olhar,

mas olho de Poesia prende olhar de Poeta.

Adeus, Dia Normal.

Cá estou eu de novo.

Escavo com as mãos versos ainda não escritos

como quem desenterra raízes.

Reconstruo jardins suspensos

ao toque de um dedo verde.

E o papel volta ao lençol.

Embrulho a cria e te entrego.

Embala.

(Flávia Côrtes - Abril de 2012)

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