Poema Verde
A árvore era muito antiga.
A ponto de eu ter que envergar-me
para admirar a cabeleira altiva
suspensa duas dezenas de metros acima de mim.
O enorme tronco de textura enrugada
dividia-se em dois
pouco acima da linha do meu olhar.
Havia decidido ser duas aquela árvore.
Os galhos grossos eram cobertos
por uma delicada folhagem tricotada.
A folhagem, se um dia parasita, tomou-se de tal amizade pela árvore que ficou ali a aquecê-la e enfeitá-la.
Na ponta dos galhos laterais, derramava-se como um xale
que a árvore, vaidosa, sustentava, enquanto me dizia o poema
que eu aqui transcrevo.
Ao seu lado, uma árvore menor crescia à sombra.
E os galhos das duas,
em alguns pontos, se misturavam, em um silencioso e terno dar de mãos.
Sentei-me numa pedra branca que alguém, em algum século, colocou abaixo da árvore-poema.
Não sei quanto tempo
ficamos ali as cinco.
Eu,
a pedra que era branca,
a árvore que era duas,
a folhagem que era xale
e a árvore que era menina.
Talvez o tempo de um poema.
Talvez o tempo necessário
para que eu pudesse levar
por uma vida
a beleza daquele instante.
(Flávia Côrtes - Julho de 2012)
www.poetaflaviacortes.com.br