Prisioneiro

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É verdade! É verdade!... Maior liberdade não podia haver,

Quando aquele ser corria, de lugar a outro, embalado no prazer.

Ainda que laborioso; livre, um artista, um nobre vagamundo,

Sorria, bebia, cantava, vivia alheio às mazelas do mundo.

Sim, assim era: seguia livre, vadio, cumprindo a prazerosa sina;

Onde? Era irrelevante; ah! quão doce era a vida!, aquela vida sem rotina.

Desde o princípio, na aprazível vadiagem, o orgulho de ser ninguém;

Às importantes profissões mundanas, o escárnio, apenas desdém.

No dia ou na noite, gozar o que a vida ofertava, era o único objetivo;

Dado a valores sem valor, um homem somente, sem nenhum adjetivo.

Porém, há um momento, aquele momento!, aquele que a tudo altera:

Chegara e entrara na doce vida, a musa amante, a onírica quimera.

O cultivo da flor do amor, embora divino, exigia responsabilidade,

Extraindo daquele espírito sorridente e esvoaçante, a tão seleta liberdade.

O homem assumiu, de corpo e alma, o enaltecido sentimento;

Aprisionando o espírito livre, tal qual um demônio pestilento.

Mas se tudo na vida definha e perece; pareceu findar o gentil amor,

E o espírito encarcerado, ardiloso como só, fez fluir uma falsa dor.

O homem, embaido, foi levado ao basta, à conjuntura desprezar,

A consciência chegou tardia, do escarnico espírito a lhe enganar.

A dor rasgou-lhe o peito, ferindo a alma, impondo veraz agonia,

Exorada a absolvição, ouviu da musa: “vossa compunção é tardia”.

O impetuoso espírito, capcioso como só, que tanto exigira liberdade,

Embora compungido, sentiu-se daí em diante, prisioneiro da saudade.

Não obstante peito rasgado, o homem negou-se atirar ao vício,

Negou-se à degradação, à fácil entrega, cingindo alçado e nobre ofício.

Em dias claros: peito nu, braços fortes, facilitando o trabalho firme;

Nas noites sombrias: amante voraz, cáustico, na busca eterna e sublime.

Gozava o regozijo da paz; então, de repente o baque, a ignóbil paralisia:

O retorno ao inferno, à desesperança, à dor na alma, já umbrosa e fria.

Tempos já idos, ásperos, de portentosa labuta e gélida compreensão,

Levando o homem agonizante, antes livre, à introspectiva resignação.

Hilário! Como o ingênuo pôde conceber, ser um cárcere o casamento,

Se é o desdém que finda a liberdade e incute indizíveis tormentos.

Quisera o homem, em seu ego de deus, mudar tal imutável situação,

Na impotência que lhe é infligida, oh!, quanta angústia!, só resta a aceitação.

O corpo chora, prisioneiro do ócio, da lembrança, da eterna imobilidade;

Só resta então, à incorpórea imaginação, conceder à ferida e chorosa alma,

a ilusória liberdade.

Nardélio Luz
Enviado por Nardélio Luz em 11/08/2005
Reeditado em 29/11/2007
Código do texto: T41923
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