Tarântulas

Eis que, em meus sonhos, elas chegam lentamente

Roçam-me urticantes com pentelhos venenosos

Viram minha noite no que não mais reconheço.

Jorro cáusticos suores por poros maliciosos

Que contribuem prá meus dias pavorosos.

Rolo na cama e seus dardos me devoram cruelmente

Nem a manhã que se aproxima atenua meu torpor

Meu mundo vira então imagens disfarçadas

Não sei se é essência o que sinto em amargor

Retrato a vida preta e branca feito álbum de terror.

Persigo os dias como quem busca salvar-se

Da praga eterna e original que nos jogaram

Mas as tarântulas desviam meu caminho

E gargalham friamente enquanto a minha noite esperam.

Minha alma já não sei se agora é mesmo minha

Ou se pertencem a esses seres a mim tão cabulosos

Sentem meu cheiro e meu pulsar onde eu esteja

Falam por mim e decidem o que eu deseje

Me obrigam a frases cujos sentidos não vejo.

Meu corpo é um quintal cavado e todo estéril

Onde daninhas ervas querem espaços

Palco do insano e do sensato em vil embate

Terreno dos ardis e dos mais estranhos conchavos

Onde veneno e antídoto festejam com seus agravos.

Persigo os dias como quem busca salvar-se

Da praga eterna e original que nos jogaram

Mas as tarântulas desviam meu caminho

E gargalham friamente enquanto a minha noite esperam.

O que sai da minha boca já não controlo

A língua, envenenada, diz por dizer,

Atinge alvos quase nunca definidos

E fere e cura o são e o crente sem motivo

Misto de glória e perdição, gozo e grunhido.

Não sei quando ou como meus escudos valerão

E farão jus ao que são em minha defesa.

Enquanto isso vivo noites de batalhas

E apreensivo espero ver qual dos meus eus menos me lesa

E possa enfim rir ou chorar tendo certeza.

Persigo os dias como quem busca salvar-se

Da praga eterna e original que nos jogaram

Mas as tarântulas desviam meu caminho

E gargalham friamente enquanto a minha noite esperam.