Na margem
*Aos poetas e suas poesias!
Poeta que escreve o mundo
Escreve sem som
Abafa seu barulho do ranger de dentes
Do lápis escorregadio
Da folha recolhendo-se à lixeira
Ou mesmo teclado, este mesmo se faz mudo
Mas este poeta em ocasião
Tem o dom da virtude
[De dar-me vida]
Em nós cravar
Transpira os mundos falantes
Se desgasta em mundos alheios
Faz barulho com camurça
Capaz de desfigurar a matéria
A mente de qualquer galáxia
Desmistifica o que assombra
Carrega outras almas
Recarrega os ânimos
É um coração que murcha
Quando há cuspe nas palavras que o chega
Muitas vezes a soltar pela fala
E então escreve
Nasceu no lado oposto
Espera sem horas
Com pingos de chuva, com sol
Sem respostas do mundo
Sem sinal
Das pessoas, e cavidades ocultas
Do mundo em escuridão
Carregado de “sem-sentidos” dos outros
Fica só, à mercê de novas palavras
Novas potências
Fragrâncias inspiradoras
Novos gestos que cativem
Seguramente seu pulmão morno
Pedi socorro à lua
À alguma estrela ursa
Assim saí cuspindo para o novo dia:
” Ontem acordei como câncer
Estou crescendo
Usando tudo à meu favor, pois
Cansei da culpa da saudade
Cansei dos neurônios em vícios
Cansei da casa sem jardim
Da visita que não vem”
O poeta vive sua pena
O poeta vive na pena dos outros
Cansado, exaurido em dor
Anota tudo
Mas não nota, não vê
Em suas palavras há um Q
De “QUERO tudo, já que vejo pouco”
Ser mais letras e inúmeras delas
Não vê ainda
Que merece o que faz ler
Por fazer ler
Sua realidade em palavras
Numa tinta humana, sangue
De suas veias e suor de seus poros
Não nota mesmo
Que é sempre duo
Das matinais mentes
Na margem
Do pulso do punho
Sai tudo
Percorrendo os caminhos passados
Caminhos que não precisa mais
Esclarece
Se abrir os olhos
Mesmo que pertençam a outro mundo
O poeta não nota, sabe,
Mas não percebe,
Ainda que lhe digam porque o leêm,
Por que o resgatam em sonhos,
E tilintares de desejos escondidos.
Nem se nota,
Anota a vista e o risco,
Dos rostos
O gosto
Do resto da gargalhada
Mas não assumo sua grandeza em voz,
Pois sempre há quem a veja, pois
Para os que o pegam para ler
Ele, cuidadoso
A deixa entre-linhas,
Para os sensíveis, os fracos
Que leem.