AVE SECA
No meio d’erma caatinga
Em seu pedestal tostado
Deu-se o grito agoniado
De uma parda sabiá.
Era um grito estridente
Feito em voz de passarim
Mas que eu bem compreendia
Quando a sabiá dizia:
Tende piedade de mim.
Ao fundo um cenário gris
Ornava o mundo sem vento
Do emplumado monumento
A buscar vida latente
Em comas vis, sincopados.
Sei por que chorava assim...
Sem fé n’algum novo dia
A quase morta gemia:
Tende piedade de mim.
O cego bicho rachado
Clamava em brasas, erguida,
Que lhe tirassem a vida
Antes que a sede o fizesse
Mas as deidades gretadas
Seguiam com seu pantim...
E, de muda, a ave ria
Piando em asfixia:
Tende piedade de mim.
Sentindo em mim sua fome
Atendi ao seu clamor
Fiz-me o anjo do horror
Matando a rouca cantora...
... sou eu quem canta no poste,
Rogo as aves, seco, enfim:
Quando gritar o meu dia
Se ouvires minha agonia
Tende piedade de mim.