Dos livros: Divagando e Versos & Reversos parte 5

ARRIBAÇÃS E MACAMBIRAS

"Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá"

Cantava; lá não mais vi

O latifúndio arrancou

E sabiá não há mais

O agrotóxico dizimou

Quão triste ver lá nas brenhas

Onde a infancia passei

Que caatingas não há mais

A ganância as destruiu

Não vi um só pau-pereiro

Daquele torrão sumiu

Arribaçãs que se via

Aos bandos esvoaçando

Só se ver se for em sonho

Ou então devaneando

Preás e outros da fauna

Que haviam naqueles anos

Juazeiros, macambiras

A l g a v e s que haviam tantos

Baraúnas, mulungus

Quixabeiras nos barrancos

Não resistiram e sumiram

Causando-nos desencanto.

UNS VÊM OUTROS VÃO

Uns vêm outros vão

Uns tem outros não

Na ciranda da vida

Se bem ou mau vivida

Uns sorriem outros choram

Uns vivem na nobreza

Outros na incerteza

Se um dia terão

Um pedaço de chão

Onde plantem seus grãos

Que garantam-lhes o pão

Abundante sobre a mesa

E assim é a vida

Na b o n a n z a ou sofrida

Todos buscam seus sonhos

Ao longo da' estrada

Calmaria e alvoroço

Vale apena o esforço

Na esperança quem sabe

De' encontrarem guarida.

TEMPO

Eu Já dei tempo ao tempo

Mas o tempo não deu tempo

De entender por que o tempo

Me fez perder tanto tempo

Deixando o tempo passar

E nesse tempo de espera

Não entendi por que o' tempo

Não permitiu que o tempo

Prolongasse mais um tempo

Assim teria mais tempo

Tal qual no tempo voltar

Mas como o tempo não volta

Vou no tempo que me resta

Traçar no tempo outra rota

Pois nesse tempo não fiz

Um tempo pra ser feliz

Vou n'outro tempo tentar.

UM GESTO SIMPLES

Um gesto simples

Uma palavra meiga

Um sorriso afável

Um abraço forte

Um silêncio para ouvir

Um saber sentir

Um afago n'alma

Um poder servir

Gritar prá que

Se ninguém me ouve

Chorar também

Não faz nenhum sentido

Nem mesmo o vento

Entende o meu gemido

Melhor sorrir

Que faz mais sentido

Mesmo que digam

Que estou palhaço

Me importo sim

Por alegrar o mundo

Fazer sorrir

Alguém em seu cansaço

Me alegra a alma

De um jeito profundo

Qual passarinho

Que contente canta

Mesmo sozinho

Na árvore, na floresta

Fazer sorrir

Quem esteja triste

Meu coração

Se sentirá em festa.

MARIPOSAS, BACURAUS E COTOVIAS

O silvar do vento

Que parece canto

Sintetiza tanto encanto

Que é difícil descrever

Me faz lembrar do tempo

Das noites enluaradas

À beira daquela estrada

Logo após o entardecer

Bacuraus e cotovias

Iniciam revoadas

Enunciam trovoadas

Clarões dos raios no céu

Borboletas formam véus

Ao redor das lamparinas

Festejam talvez a sina

De saírem dos casulos

Pois lá não existem muros

Q'as privem fazem seus céus

Mariposas também bailam

Voam imponentemente

Pros olhos lindo presente

Que'a Natureza oferece

Faz-nos esquecer o s t r e s s e

Do agito da cidade

Donde em qualquer idade

Não há quem ouse dizer

Que n'alguma vez na vida

Não foi alvo de maldade.

POETIZAR

Poetizar É eternizar sentimento

Vivido ou não tal momento

Fruto da' imaginação

É inventar fantasias

Tornando mais belo os dias

Ofuscando a solidão

É viajar sem fronteiras

É navegar altos mares

É flutuar pelos ares

Sem sequer sair do chão

É numa estrela cadente

Ou na cauda de' um cometa

Trafegar na' imensidão

É ter desejos insanos

É vomitar desenganos

Usando apenas palavras

É sonhar frequentemente

Para alguns é ser demente

Por desconhecer as causas

É enganar-se a si mesmo

É ter no peito essa chama

Ardente qual fogo em brasa

É fazer do sentimento

Seu principal argumento

Do ser feliz sem ter causa

Ser poeta é ser arteiro

E é também ser sensível

Ser muita vez permissível

É criar o seu mundinho

É amar sem ser amado

Aprender viver sozinho.

ME FAZ FALTA

Me faz falta a utopia

Me faz falta a esperança

Os sonhos que antes tinha

Desde os tempos de criança

De um mundo de fantasia

Hoje só resta a lembrança

Me faz falta o pôr do Sol

Se escondendo atrás dos montes

O brilho da Lua-cheia

Divinamente elegante

E uma estrela cadente

Reluzente qual brilhantes

Me faz falta aquele tempo

Quando o ar ainda'era puro

Quado ainda era possível

Colher-se um fruto maduro

Que será da Natureza

Doravante, no futuro

Me faz falta os vedes campos

Os umbuzeiros floridos

A deslumbrante beleza

De um juazeiro esculpido

Pelas abelhas do vale

Fazendo deles abrigos

Me faz falta aquelas tardes

Quando íamos pras campinas

Arrebanhar as galinhas

Cumprimentando as meninas

Antes do anoitecer

Cantando em prosa e em rima

Me faz falta enfim o tempo

Que havia menos ganância

Que o homem era racional

Hoje só resta a lembrança

De uma Natureza sana

Não sei se há esperança.

CHUVAS DE OUTONO

Chuva constante de'outono

Fininha cai mas machuca

Não tal qual fosse torrente

Mas mesmo assim preocupa

Pois com ela vem o frio

E na'alma causa um vazio

Pois quem tirita de frio

Por falta de cobertor

Por está jogada ao léu

Tomara venha do Céu

Quem alente a sua dor

Certamente que são muitos

Os que' inda por aqui

Acreditam que se o'amor

Forte do peito emergir

Aquecerá corações

Melhorará o porvir

Oh Deus faça com que o homem

Não alimente o'egoísmo

Não pense somente em si

Mas pense no coletivo

Do que lhe sobra um pouquinho

Aquece onde for preciso.

CENAS GROTESCAS

Cenas grotescas

Homens contra homens

Uns maltratam outros

Mais que fossem lixo

Quando em sua fúria

Fogem da razão

Agem instintamente

Mais parecem bichos.

VENTO

Vento forte

Vento norte

Que assovia no telhado

Que revira a plantação

Faz um favor z i n pra mim

Pede lá pros querubins

Que afugente a solidão

Vento amigo e camarada

Saiba que confio em ti

Vê se não vais me negar

Se passares pelo mar

Lembra de avisar pra ela

Que' ainda a espero aqui

Vento quando aqui passares

De novo basta soprar

Abrindo a minha janela

Ou zunindo no pomar

Entenderei que trouxestes

Um recado pra me dá

Tomara o tempo não tenha

Apagado da memória

Das noites naquela praia

Onde vivemos a história

De' amor que durou bem pouco

Ela partiu, foi embora

Vento já que perambulas

Sopras em tantos lugares

Te peço em tuas andanças

Quando com ela encontrares

Traze-a de volta pra mim

Fico contente que venhas

Flutuando pelos ares.

TODO VÍCIO É CIRCULAR

Todo círculo é vicioso

Todo vicio é circular

Assim é o desejo

A vontade de amar

Dá-se volta pelo mundo

Sem se sair do lugar

Se pensa que está doente

Com o peito quase a sangrar

Qual um rio caudaloso

Que vai desaguar no mar

A diferença é que o rio

Tem começo meio e fim

Diferente desse impulso

Que não se afasta de mim

Que machuca e dói na alma

Mas que faz bem mesmo assim

Que faz sonhar acordado

Que faz noites não ter fim

Leva a flutuar nas nuvens

Tamanha alucinação

Faz voar ao infinito

Mesmo sem sair do chão

Um sentimento cortante

Qual um fio de navalha

Mas que eleva o espírito

Seja de nobre ou de rico

Seja de letrado ou de rude

Como num círculo igualmente

Que deixa a todos contentes

Se tem no peito a semente

Deste sentimento nobre.

NEBULOSA

Quando se perde a capacidade de sonhar

Envereda-se para o outono da vida

Bloqueia-se emoções e sentimentos

Fica-se qual barco à deriva em alto mar

Qual folha seca levada ao vento

Qual um pássaro sem rumo a vagar

Desencanto é tormento persistente

Nebulosa insistente a machucar

Torna opaco o que é multi colorido

Deixa a vida um tanto sem sentido

E o único remédio indicado

É tentar conjugar o verbo amar.

TARDES DE VERÃO

Estava eu envolto em devaneios

Quando do telhado uma fresta insistente

Sem prévio aviso de repente veio

Um raio de sol alegrou-me a mente

Relembrei de quando em tempos idos

Passeávamos nós ao soprar do vento

E a suave brisa acariciava a gente

Sentindo o aroma nos jardins floridos.

A quermesse era nossa diversão

Alegrando a todos que ali passavam.

Do trombone um som suava soava

Alegrando nossas tardes de verão.

De felicidade não sentia o chão

Sonhava acordado a mente divagava

Nada mais em volta eu me interessava

Quando segurava firme a tua mão

Hoje só me resta relembrar do tempo

Teu sorriso franco guardar na memória

Lamentar o adeus o fim daquela história

Das juras de amor daqueles momentos.

VEM

Voaremos além do horizonte

Quem sabe ver de perto o por do sol

Deixando para a noite e seu encanto

Quando ele se esconde atrás do monte.

Vem,

Navegaremos na cauda de um cometa

Vizinhos seremos de uma estrela

Faremos lá na lua um ranchinho

Um abrigo seguro sem fronteira.

Vem,

Partiremos ao romper d’aurora

E uma orquestra um coral de passarinhos

Como que acompanhando nossa história

Saudará a beleza dessa hora.

ALMA VAZIA

Do rosto dela e daquela melodia

Quando cantava eu a acariciava

Doce lembrança que outrora imaginava

Que não passava aquela afazia.

E a brisa fresca meu rosto acariciava

Mim'embalava minha’ alma que alegria.

Quanta ternura que ela me ofertava

Só não me disse que não mais eu a viria.

Ti abraçava ti queria te beijava

Só resta agora minha alma vazia.

Sob a sombra de uma árvore ao meio dia

Na copa dela um pássaro cantava.

Então de repente eu me lembrava.

ENGANEI-ME SIM

Enganei-me sim mas não importa;

Quando te dei a chave dessa porta;

Enganei-me sim!

Mas valeu apena;

Saí desse estado de dormência;

Ou de demência;

Por que viver de aparências?

Enganei a mim, pura evidência!

Um existir sem cores,

A ninguém não satisfaz.

De repente emergiu você:

E sem pedi licença,

Invadiu meu mundo,

Instalou-se de m a n c i n h o:

Minou a minha resistência!!!

QUE SONHO!

Flutuante

Qual espuma que'esvoaça

Qual a neve

Que enfeita as colinas

Qual a nuvem

E seu enigma indecifravel

Tal qual lagos

De águas cristalinas

Água clara azul turquesa

Areia, prata transparente

Nas árvores flores,

Ouro reluzente

Seus frutos,

N e c t a digno de nobreza

Que sonho!

BILHETE

Já que'eu não posso voar

Pego carona no vento

Pois sei não dá pra' enviar

Através do pensamento

Pra saciar seu desejo

Chego a qualquer momento

Quando ouvir um passarinho

Cantar um canto tristonho

Fui eu que pedi pra ele

Dizer que contigo sonho

E o desejo de te ver

Perto de mim é medonho.

Queria dá um jeitinho

De reservar um cantinho

Na caixa do peito dela

Inda guardo com carinho

Lembrança daqueles dias

Quando estava ao lado dela

Mas o tempo e o destino

Me fez trilhar outra estrada

Outro horizonte tentei

E do meu sonho de menino

Guardo apenas a lembrança

Daquela que tanto amei.

ALENTOS

A chuva é fininha e calma

O frio gélido e intenso

Que o' calor aqueça a alma

Que o' amor seja imenso

Pra aquecer corações

De quem careça de alentos

Um agasalho que' esteja

Guardado não fará falta

Nas ruas há quem precise

Um só que seja lhes basta

Dividir o que nos sobra

Aquecerá à quem falta.

VERSOS QUERUBINS

Observando botões

De rosas no meu jardim

Descobri que são poemas

Escritas por querubins

Sem precisar de palavras

Tal qual se vê nos jasmins

É por tal que borboletas

Beija-flores e outros pássaros

Ficam ziguezagueando

Em torno lá no regaço

Só vislumbrar faz a gente

Esquecer qualquer cansaço

Decidi colher então

Aquela rosa amarela

De beleza indescritível

De' aroma quase canela

E pedi que 'um colibri

Deixasse lá na capela

De repente ele voltou

Parecia está bem triste

No bico trazia a rosa

Deixou que no chão caísse

Deduzir que o' endereço

Que lhe dei não mais existe

Era' uma cabana pequenina

Entre a serra e as colinas

Rodeada de arvoredos

De beleza que fascina

Mas a' insensatez do homem

Devastou cavando minas.