Rapsódias

O verde que ainda trago

É o verde de quando chove

Que brilha e lembra vida e

E moça que ainda é jovem;

Arrancaram-me a textura

da pele sem sujeira,

deram-me grosserias,

E fecharam-me janelas

O verde resistiu, escondeu-se

No meu ventre, e creio que

Seja dele, essa coisa de poeta!

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o seio

o seio que tenho é o seio de onde

 venho. seio agreste e encanado,

 que me habita os ossos e a carne,

o seio que me traz candura, mas que

me castiga e me tritura, quando longe,

me dá saudade e quando perto me

tortura. o seio que quero é o seio do qual

fujo, é o seio que brilha é o seio que é sujo,

que não se define com certeza, e não

existe nessa esfera outra forma beleza , que

não seja a de senti-lo, sem precisar

 o que o seja...

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tamborilando

eu saio do tempo

e entro na eternidade

onde encontro as moças

e os meus compadres

sujo eu de terra

as mãos, e salto do

do trono da imagem,

e com isso vejo a

vida que pulsa, e

não essa: vassalagem

olho para um lado

olho para o outro

é tanta flor brotando

que nem sei que lado

vou: e tamborilando os

dedos, eu nado, eu võo

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Poesias

E minha mão se contorce

E em versos, sem disfarce;

Proclama a vida,

Escreve-o assim,

no caroço do mistério;

fala do real e do controverso

na busca de um sentido

quando os versos se convergem

e deles nascem um Poema,

parte da vida desaba:

Eis, no poeta, um dilema

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No mercado

Eu a vi

e ela me viu

e nesse instante...

... em que os dois olhares

se confrontaram,

Percebemos na hora:

Que a gente era infeliz...

Ficamos embaraçados,

Olhamos para a bancada,

E continuamos

A escolher as batatas

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Quando eu acordei e dei de focinho,

de cara com a vida...

eu logo vi as coisas como eram ,

não eram do jeito que eu pensava

(uma moça comportada,

de vestido florido e de laço )

era mais forte arrojada

era como se fosse uma mulher

que levantasse a saia.

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raridade

O sol

Se põe ao término

Do dia,

Do mesmo jeito

Que meu amor

Se pôs um dia...

Já estive claro

Hoje, escuro;

Na dor, maduro

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O verde

O verde da folha do milho

É o verde da folha de goiaba?

E o que falar do verde

Do grilo, que alguns no

Estado da Bahia chamam de

Esperança! ...

E o verde do mar,

E o verde da mocinha

Que ainda não sabe de nada...

E que é bela por causa disso.

Que sua beleza vem desse

Verde que ainda lhe exala?

Que espécie de sonho

Vive as coisas bonitas

Que se deixam inundar

Desse verde?...

Gosto de verde, como gosto

De fruta verde,

Dessas frutas que o verde

Não está somente na casca

mas no miolo, na intimidade

da fruta...

A mesma fruta verde

Que não sabe de seu destino.

Não sabe que algo

Vem lhe amadurecer,

Tirar-lhe sua cor,

Porque algo da vida

Lhe precisa assim...

A vida deveria ser toda verde

Sem o apodrecimento da noite

Ou das coisas que não tem cheiro

de verde.

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um canto de mão

O poeta abre-se no

Escuro sem medo:

Insígnia de sombra

Que adensa a vida...

Suas armas, palavras

Versos: acortinados,

Que explodem-se como

Sóis na floresta bruta.

Vibram-se em aquarelas:

citricas imagens em

Sonoros vôos, à janela...

E um novo estágio

Se instala no mundo

Ao canto de uma mão

Que escreve um poema!

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malha

Peneiram-se o arroz

o feijão e a areia

peneira-se na vida

até o mundo que

se apeia...

de tanto peneirar

pela mesma malha

tudo vai ficando igual

todos com a mesma

cara

e antes da malha

o que fica é o diferente

todos estranhados pelo

espaço exigente...

peneira-se o arroz

o feijão e a areia

peneira-se tudo

até mesmo gente...

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meu outro nome

O medo me abraça

Como uma criança

Com fome, beija

Minha face e me

Deixa perto dos homens;

Só tem medo quem

sabe a vida, ventania,

fendas, Musgo e brechas,

Trapaças , agonia;

Quando mais jovem

Nos escondemos ou

Nos esfarelamos.

Até que entendemos:

Que medo: " é nosso

Outro nome"

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Viseiras - Alex Ferraz

armo os burros de cordas,

coloco-lhes viseiras, para que

desvios de estradas não vejam ,

e com meu chicote, açoito forte,

pois sou seu dono e disso,

eu não discordo e mando...

e faço todos os dias, pois

todos os dias lapido meu trono.

por isso, os burros, por isso,

alguns homens.

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já não sou o mesmo

Na distância

De Que padeço

Sinto na pele

Que anoiteço,

Sinto o cheiro

De pernas, de boca

De tornozelo

E pois mais que

Escureça ,

Do seu gosto não

Esqueço;

Isso me deixa vivo

mas não me deixa

o mesmo...

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Retornelo

se te pergunto o que escondes e teus olhos em vertigem

se espantam, e tuas mãos finas , antes firmes e decifradas,

pelas pernas balançam, e tua boca de lábios débeis e

trêmulos se mostra entreaberta e mais cálida do que antes;

se vejo uma mudança de tônus no teu rosto , tua pele se

esmaecendo e um pálido gesto incontido se pronunciando,

mostrando-se, de forma ambivalente, que a minha pergunta,

antes singela, se tornou grave, deixando-te pensante ;

eu, ao vácuo me nego , sinto que o território, antes

fácil e régio. agora é impertinente e me torna cego.

Volto aonde eu estava, mudo, comigo, me conservo.

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que não se cola

Chove o sol

Na calçada

Da minha

Infância...

O Sol chove

Em agreste

Esmola

Eu choro

A alegria

Perdida...

O tempo cortado

De lembranças

Mas tudo é fragmento

Que não se cola

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Limites

O dia não acorda

De bala, ele vem

Com jeito mineiro

É uma estrela

Que de sono morre!

É um raio que desperta

Brejeiro!

E quando as contas

Se fecham, Ninguém deve

Nada a ninguém!

A noite dorme em descanso,

O dia limita o horizonte!

e todos sentem que veem

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O sol me bate na cara

até que minha noite

fique clara...

o sol mostra meu rosto

dialoga com meu abismo

e revela o meu desgosto

quando chega a noite,

já não sei quem sou

se sou quem se percebe

no sol, ou se sou esse

fosso...

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O mundo pluralmente...

Eu sei que aquela vida já passou

E sei que nela estava meu amor..

Eu sei que devo ir pra frente

Eu sei que do passado não se vive

Eu Que nele nada se corrige;

Eu sei que devo esquecer e ver

O mundo pluralmente...

Tudo bem... disso tudo eu sei...

só não sei dar salto mortal...

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nu ao sol nu

eu me recomponho

da vergonha

e me torno um deus

exaltado e líquido

exibindo minha

chama, contorcendo

as entranhas dentro

duma farsa

(num baile de mascarados )

nu eu me encontro

e é disso que falo

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sortilégios

corto-te as asas

corto-te os sonhos

e dos teus braços

já não faço camisa

ou descanso, porque

e aos meus olhos

tua música é triste

o teu coração férreo

bate no meu rosto

( já não te vejo no

mistério)

sinto no teu rio

um assoalho raso

(casca de sortilégios)

assim eu me acordo

e das algemas

eu faço troça,

e por um instante

eu me ponho no agora

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t-------

canga

Deixe-a no entroncamento

Antes de virar à esquina

Deixe-a ao vento

E entre na dimensão

de um novo sentimento ;

Se a canga é pesada

É melhor desabar e seguir

De outro modo, pois todo

caçoá desarma a beleza

do andar

Que a leveza é o amar

(não se discute...)

Que a vida lhe será mais

Leve se ao sol se revelar

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Se olhar de perto

Um rosto, verá que

O tempo nele

Fincou o seu posto

Riscou a pele

Em desníveis

E afrouxou-a

Em cordas frígidas

Disse-o em ato,

Lento invisível:

Que quando se vive

Aos anos, a beleza

É perecível

E não se contentando

com a cara, desce às

mãos e às pernas,

cobre de asco o que

o era viço e de tédio

o que era festa;

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a porta certa

Descer da montanha

E encontrar o seu rosto

Como um rio acordado,

E não como junco poroso

descer a rua proibida

que ainda guarda sob

pele, mergulhar bem fundo

na vida, e não perder-se

no o que não cede...

pois se uma porta

se fecha, outras portas

serão abertas, talvez

a que batia não

fosse porta certa

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que sejam feias

se interponho entre o mundo

e eu, algo que lhe filtre ou que

lhe condene, até mesmo que lhe

dê ares de inocente: se entre o

mundo e eu coloco uma camada

de verniz, onde vejo o que não existe

e excluo o que me deixa triste, e até,

paradoxalmente, mais feliz. que diz

que a paisagem é boa, ou apenas ruim

como se duas coisas distintas não

pudessem ser unidas, como o glúteo

ao selim...

Cego eu ainda estou, voltarei ao

oculista , pois o grau que ele me deu

não condiz com a vida que eu via

antes quando pensei que os óculos

mudaria minha sina, o de saber das

coisas como elas são: no mesmo instante

feias e lindas...

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de vestido branco, bolsa preta

Atravessou a rua,

Acompanhei suas pernas

suas costas , a barra do vestido

Delicado. o vento lhe soprando

e a roupa lhe respondendo em acenos

Na calçada, antes de entrar na

Sorveteria, parou e prendeu o cabelo

Como se prendesse a coisa amada

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Água e óleo

Não se misturam

Nunca se funde

Nem sob tortura;

Cada um ocupa seu

Espaço, e não

Preserva o contato,

Pois mesmo junto

Cada uma tem seu

Dorso e sua pátria

Estrutura, não se

Encantam, nem se

Defende, não mudam;

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A solidão

O solidão vinha e partia...

No intervalo

Eu ria e tomava sorvete

E passeava na praça...

E conversava com as meninas;

Um dia ela veio resoluta

e se alojou á porta da

rua, no sofá da minha casa...

e eu, muito educado,

fiquei assim:

a vida a fora fazendo sala

Alex Ferraz Poti
Enviado por Alex Ferraz Poti em 05/03/2013
Reeditado em 05/04/2013
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