SACRILÉGIO

Poesia, conta-gotas desse ritmo

Entre a pausa morrente e o tudo-é,

A metáfora final, aquoso istmo

Se um sino trovejasse além da Sé

Onde muitos troçam ver um algoritmo,

Trança ondas, espumando biorritmo

Feito a sangue, sangue vivo, sangue impuro,

Caverna, labirinto, penitências

Deixando vida à míngua das essências,

“Tendão de vênus sob o pedicuro”¹.

É o éter da pedrada, náusea em flor

“Que é de inconsciência e de êxtase bendito”²,

Mandala em que se enforca o viajor,

Tarô, trêmulas mãos, cãs do teu grito.

Missal, Broquéis, Faróis. O Redentor

De braços boquiabertos e rubor

Na pele do talvez em que agasalhas

Líquidas razões. E teu porém

É causa, sensação, suor, além,

Ou verso depenando as tuas asas.

“Tornado Puro Gesto, gesto-face”³

O abismo murmurante da poesia,

Veluda o que não é e o que não nasce;

Eterna sombra excelsa ao meio-dia,

Soluto de conforto e de impasse,

Tritura no ser-verbo que afinasse

As chamas, o caminho, a foz do clique

Nas cordas viscerais da amplidão,

Chibatando a invisível sensação

De cegar, quanto mais a clarifique...

Com participação dos Grandes:

¹ “Oficina Irritada”, Drummond

² “Criação”, Bilac

³ “Passos da Cruz”, IV, Pessoa