Minhas mulheres mortas
Ela sonha e recorda,
e acorda pra vida.
Depois torce a boca,
e repuxa a ferida.
Ela diz a verdade.
Ela arde de amor.
Ela bate com força,
- com vagar ou pavor.
Ela se sobressalta
e vai de repente.
Ela volta em miragem.
Ela arrasa com a gente...
Ela dança, ela salta,
ela assalta o armário...
Ela tem pressão alta.
Ela ri ao contrário.
Ela lava, ela passa...
Ela assa as tortas,
depois vai ao passeio,
mas não fecha as portas.
Ela vive à deriva
da nau do seu homem;
Ela muito perdoa
e seus filhos a comem.
(Ela anda à proa;
ela nina o neném.
Ela apruma o barco...
Ela finge tão bem!)
Ela é paz e é terra;
faz, da guerra, embornal;
às batalhas perdidas,
o lamento é normal.
É tão sério, o conselho.
É tão doce, a história.
É tão longe, o lugar.
É tão sábia, a memória...
Aportar é preciso.
Cadê cais? Já não há...
Ela enrola a corda
e sorri devagar.
Ela foi-se há mil anos...
O enterro foi ontem.
(Para quê tantos planos?
Qual o erro? Me contem!)
*Para Maria Bela, pelos cafés e cafunés.
*Para Ana Carneiro Girão, a cabeça de lã branquinha e macia, o bolo de carimã e a mania de reunir as gentes.
*Para Sílvia, que deixou homens, mulheres, crianças, cachorros e papagaios só na vontade de reaver seu riso, sua suavidade, seu inteiro amor.
*Para Geni da Costa Barros, primeira amiga, cabocla cheirosa e bem maquiada à beira do fogão à lenha, espigas de milho assado e chá de boldo.
*Para Maria Eudênia de Lima Girão, tiamãeamiga, casa de brincar e ser, porto seguro.