A DAMA DA RETORTA
Depressão bateu à porta,
Entrou, fixou morada.
Era visita inconveniente,
Nunca fora convidada.
Pensei que partisse rápido.
Mas o tempo de cada uma,
Débil e pálido, adoentado,
É incerto e diferente:
Eu penso que é muito,
Ela pensa que é pouco,
E de bocado em bocado
Vai ficando eternamente.
Não gosto dela.
Não temos sintonia.
Mas Dona Depressão, ao que parece,
Ama minha companhia!
Tentei despachá-la com espreita
Valendo-me da antiga simpatia:
A vassoura atrás da porta.
Numa infusão misturei alecrim e alho
Para afastar essa tristeza de borralho.
Decerto a receita
De mandinga e alquimia
Estava errada, fez-se torta:
A Dama da Retorta,
Tal qual tia enxerida,
Sempre aborta sua partida.
É um arriscado jogo de dados
Sobre um feltro verde invisível
Onde contabilizamos pontos
De Morte e de Vida,
De sorte e revés,
Uma competição de braço
Enquanto mantemos
Esse incômodo laço.
O resultado decidirá o embate:
Quem largará a máscara primeiro?
Quem sobreviverá por derradeiro?
Quem estará de partida?
24/02/2006 - SP
tela de P. Paul Rubens, 1615, "Hygeia" (deusa grega da Medicina e Saúde)